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Carta Pastoral 05/2020 em tempos de Covid-19

Amigas e amigos, povo das comunidades,
Iniciamos esta carta pastoral com o pedido de socorro do Salmo 102.1: “Ó Senhor, ouve a minha oração e escuta o meu grito pedindo socorro”, e assim nos dirigimos a tantos corações angustiados.
Há muitos pedidos de socorro que não estão sendo atendidos por falta das condições mínimas de uma parcela imensa da sociedade. Faltam condições mínimas no tratamento do COVID19, falta UTI disponível, falta comida, falta casa com cômodos suficientes e higienizáveis para toda a família.
Ao dirigirmos nosso olhar para as famílias, há muitos pedidos de socorro que não estão sendo ouvidos, ou nem estão sendo feitos, por mulheres que sofrem abusos pela pessoa que amam, com a qual compartilham a casa, a família, a vida.
A violência praticada contra as mulheres dentro do seu lar, que deveria ser um “lar doce lar”, não iniciou obviamente com o isolamento necessário para vencer esta pandemia que nos assola. Inúmeras estatísticas nos mostram o quanto isto é real e extremamente preocupante – aumento de 12% em 2019 comparado a 2018. Mas as estatísticas lamentavelmente também mostram que a violência de gênero aumentou de modo alarmante neste período de isolamento segundo os dados do Fórum Nacional de Segurança Pública.
Como PPL não podemos calar. Igualmente não pode se calar toda a Igreja que tem como Senhor este Jesus de Nazaré que pregou e vivenciou o amor, o carinho, a preocupação com a vida digna para todas as criaturas de Deus.
Junto ao poço de Jacó, lugar estratégico para vivenciar atitudes que libertam a mulher das leis patriarcais machistas de então, Jesus desafiou a tradição e dialogou com a mulher samaritana. A partir desta atitude ela se tornou a primeira missionária para dentro da Samaria (João 4.5-30).
Por Jesus, a mulher é missionária, discípula, profetisa seja lá em qual profissão estiver, seja lá de qual família fizer parte, seja lá qual for a sua história de vida. Nada justifica que ela seja desrespeitada, violada, espancada, estuprada, morta, como estão sendo milhares de mulheres, agora especialmente em seus lares, pelas pessoas que mais deveriam amá-las,
Mais do que nunca temos a missão de propagar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo no sentido de não nos fazermos pessoas surdas e cegas perante esta realidade. Temos o compromisso:
• de nos perguntar: o que podemos fazer?
• de encaminhar tudo o que for possível.
• de apoiar as iniciativas existentes, como os materiais distribuídos pela Secretaria Geral da IECLB em sua campanha “Por um lar sem violência”.
Finalizamos com a palavra de esperança do Salmo 102.28: “Os nossos filhos (e as nossas filhas) viverão em segurança e sua descendência terá sempre a tua proteção”.

Coordenação Nacional da PPL – junho de 2020

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Aos/Às inumeráveis

Assistam e compartilhem: “Aos/Às inumeráveis”

https://www.youtube.com/watch?v=JSyhZX-rT9M&fbclid=IwAR3-psJxj-fMEWm4foaELEqAyv9kkTx8XWPCqFwBlDfjtv-QUdz-L8SLUnQ

Canção criada a partir do poema da pastora e doutora em teologia Claudete Beise Ulrich. Compositores: Eduardo Luiz Beise Ulrich e Louis Marcelo Illenseer.

Musicistas:
Douglas Kalke, piano, percussão e baixo
Douglas Wagner, violão
Eduardo Luiz Beise Ulrich, voz
Louis Marcelo Illenseer, voz
Stefania Johnson Colombo, flauta

A história e o contexto desta canção encontra-se no texto do e-mail, partilhado pela autora do poema, nos tempos de pandemia do coronavírus.

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CARTA PASTORAL 04/2020 – Em tempos da Covid-19

Sábado de Aleluia- Tristeza, solidão e reflexão
Irmãs e irmãos das comunidades de fé,
Amigos e amigas da caminhada!

Há pouco vivenciamos o período da Paixão e da Páscoa nas comunidades cristãs. Temos tido alguma dificuldade com o Sábado de Aleluia. Este dia, que está entre a Sexta-Feira Santa e o Domingo de Páscoa, nos causa algum desconforto. Por que? Porque o tema desse dia é um Jesus de Nazaré morto. Nossa dificuldade está em compreender o por quê o tema desse dia é um Jesus de Nazaré morto. Quer dizer, a dificuldade está em suportar essa realidade nua e crua, falar dela, meditar sobre ela, interpretá-la, sem fugir para a Páscoa antes de a Páscoa chegar.
A comunidade que havia seguido Jesus estava sofrendo a realidade da sua morte sem a existência de uma perspectiva de ressurreição. Ela não tinha escolha: precisava lidar com os fatos assim como eles estavam se apresentando (cf. Lucas 24.13ss) Por isso, essa comunidade, que havia aprendido a ter esperança em dias melhores por causa daquilo que Jesus lhes havia ensinado acerca da proximidade do Reino de Deus, estava calada, abatida, frustrada, mergulhada num profundo luto. Experimentava o fim de um projeto.
Por isso, o Sábado de Aleluia é um dia de tristeza e solidão. Conta a tradição que Maria, mãe de Jesus, que na Igreja Católica era conhecida como “Nossa Senhora das Dores” por causa das dores que lhe causou a morte cruel e injusta de seu filho, recebeu também o título de “Nossa Senhora da Solidão” justamente por causa da sua amarga experiência vivida naquele sábado. Não se deve subestimar o tamanho do sofrimento causado pela solidão.
Aquele sábado também é sinônimo de caos: na cabeça e no coração das pessoas reinava grande confusão quanto ao que estava acontecendo. Como entender os fatos? Em quem acreditar? Como agir e como se comportar diante desta nova realidade?
As forças do mal que causaram todo o sofrimento vivido agora no Sábado de Aleluia eram também uma ameaça a quem havia seguido Jesus. Por isso, este dia se caracteriza também pelo medo. Medo de um destino semelhante ao de Jesus. O maior sofrimento naquele sábado foi a experiência do vazio existencial. Hoje dizemos que o sentimento de vazio existencial é aquela fase do luto em que nos encontramos como gente sozinha após o sepultamento, amargando a dor da perda definitiva de uma pessoa amada.
É importante lembrar que a comunidade que vivenciou o Sábado de Aleluia não sabia que poderia acontecer uma ressurreição, embora Jesus possa lhe ter dado alguns sinais a respeito. E mesmo ele, no alto da cruz, bradou o grito de angústia; “Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?” (Mateus 27.46; Marcos 15.34). Da experiência daquele sábado não faz parte o conhecimento de uma mudança da realidade dada. Por isso, trata-se de uma situação sem perspectivas de solução.
Quando falamos de uma situação sem perspectivas de solução, estamos falando de uma situação de cruz. Situações de cruz continuam acontecendo hoje também. Os sábados de aleluia continuam sendo experiência real para muitas pessoas. Por isso, não podemos ignorar a cruz ou reduzir o tamanho da sua realidade. Aí reside a nossa dificuldade na Semana Santa: temos dificuldade de “estacionar” no Sábado de Aleluia. É difícil suportar o peso desse dia. Muito apressadamente passamos a apontar para a Páscoa. É como dizer: Sim, há sofrimento, mas logo vai passar. A Teologia da Cruz pergunta: e se não passar? Ou se demorar muito a passar? Ou ainda se alguém de nossas relações próximas, ou nós mesmos, formos afetadas e afetados irreversivelmente pelo mal?
Uma pergunta importante é como a comunidade de Jesus sobreviveu ao Sábado de Aleluia. Como ela lidou com a cruz? Ora, em pleno Sábado de Aleluia, ou em função dele, aconteceram três fatos nos quais podemos nos inspirar conforme a narrativa dos evangelhos: 1) a comunidade de Jesus, representada pelas mulheres (Marcos 15.40-41 e 16.1), em plena crise, em plena situação de medo, solidão, caos e vazio existencial, guardou o sábado de acordo com o mandamento da fé judaica, e descansou (Lucas 23.56); ou seja, exercitou a espiritualidade; 2) essas mesmas mulheres que já haviam servido Jesus durante o seu ministério, praticando a diaconia (Marcos 15.40-41), continuaram a exercitar a solidariedade, comprando aromas para embalsamar o Jesus morto e lhe oferecer um sepultamento digno, uma prova de amor ao mestre; 3) José de Arimatéia, um homem vinculado ao sinédrio, ao poder religioso, que era discípulo de Jesus, se ofereceu como voluntário para sepultar o corpo do mestre.
A comunidade de Jesus conseguiu fazer a ponte entre a Sexta-Feira Santa e o Domingo de Páscoa, praticando a solidariedade, mesmo que em relação a uma pessoa falecida. Esta diaconia estava firmemente alicerçada na espiritualidade que ela aprendeu com seu mestre, a espiritualidade do amor e do serviço gratuito.
Como enfrentar o Sábado de Aleluia em tempos de Covid-19, que trouxe os sofrimentos da solidão, do caos, do medo e do vazio existencial? Para nós da Pastoral Popular Luterana isto significa o desafio de “estacionar” nessa realidade e enfrentá-la com os recursos que nos são dados, sem fugir apressadamente para soluções milagrosas. Para esse enfrentamento, apeguemo-nos firmemente ao exercício de nossa espiritualidade através da oração, da intercessão, da meditação, da leitura bíblica, buscando consolo e fortalecimento na Palavra de Deus. Estaremos, assim, descansando em Deus. E, a partir daí, praticar a solidariedade em relação às pessoas que precisam de ajuda, como fizeram as mulheres e José de Arimatéia. Que estes tempos de cruz nos ensinem, de forma renovada, a amar a Deus e ao próximo como Jesus ensinou ao seu grupo de discípulas e discípulos.

Coordenação Nacional da PPL – 28 de abril de 2020

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Carta Pastoral 03/2020 – Em tempos da Covid-19

Irmãs e irmãos das comunidades de fé,
Amigas e amigos da caminhada,

“E disseram um ao outro: Porventura não nos ardia o coração,
quando ele pelo caminho nos falava,
quando nos expunha as Escrituras?”
Lucas 24.31
Estamos há mais de um mês nesses estranhos dias de isolamento social, com muitas pessoas em quarentena, enquanto outras infelizmente ainda não entenderam sua importância. Quarentena é quando a pessoa ou um grupo de pessoas está sob suspeita de haver contraído o vírus e passa a estar em período de observação afim de monitorar se irá positivar para o COVID-19 ou não. Com o número crescente de casos no país, é extremamente importante aceitar o distanciamento social e os cuidados de higiene para não entrar em quarentena, evitar contrair a doença e disseminá-la por descuido.
Se em 2019 o conselho era desligar-se das telas de celulares e computadores, agora é a virtualidade que nos conecta a todos e tudo, possibilitando contatos para além do isolamento. Passou a Semana da Paixão, passou o Domingo de Páscoa, mas o isolamento social ainda vai continuar, e perguntamos: até quando?
Nas cartas anteriores a coordenação da Pastoral Popular Luterana- PPL refletiu sobre como entender esse tempo que irrompeu e o que fazer? De fato, não há alternativa: é preciso ouvir o que dizem as autoridades de saúde, a Organização Mundial da Saúde, o que diz a ciência médica e sanitária. E não “dar ouvido” às notícias falsas que entram em nossos celulares, algumas vezes por meio de “mensagens amigas”. Chamamos atenção para a seriedade, também aos efeitos deste vírus, que destrói confiança e semeia discórdia. É preciso sempre se perguntar pelo fundamento daquilo que nos chega. Vale a pena pesquisar o assunto na internet para uma busca sobre a notícia, para averiguar a veracidade do que nos chega, às vezes, sem que tenhamos dado autorização.
Estamos vivendo o tempo pós crucificação e pós Ressurreição, a Páscoa da libertação. No tempo litúrgico das igrejas ecumênicas, é o período em que Jesus começa a aparecer para discípulos e discípulas, mostrando a veracidade da notícia que as mulheres, em primeira mão, divulgaram no Domingo de Páscoa: “Ele vive! Ele Ressuscitou!” (Lucas 24. 1-12). Não era fake news. Não era notícia falsa, como os discípulos pensaram a princípio: “Tais palavras lhes pareciam como delírio, e não acreditaram nelas” (Lucas 24.11).
Em quem acreditar? Em muitos momentos podemos nos sentir perdidos como o casal que tomou o caminho para Emaús, Cléopas e sua esposa, desanimados com o que havia acontecido com seu amado mestre Jesus. Eles haviam feito planos, seguiram aquele que era para ser o grande transformador de vidas, o libertador do seu povo, e, de repente, tudo mudou, chega a morte violenta, a humilhação, a derrota. Completamente frustrados, sem ânimo ou forças pra continuar, o casal volta para sua terra e se põe a desfiar sua frustração radical: “Nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel; mas, depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que tais coisas sucederam” (Lucas 24.21).
Enquanto ruminavam sua desilusão, Jesus se aproximou deles, estava ali, ao seu lado, caminhando junto e escutando suas aflições, perguntando, procurando compreendê-los, mas ao mesmo tempo fazendo com que refletissem à luz das Escrituras. Nem Cléopas, nem a esposa o identificam, estão por demais imersos em suas angústias e luto. Quando chegaram a Emaús, Cléopas e a esposa convidam o peregrino, aquele caminhante que os acompanhara pelo caminho para entrar e cear com eles. Não haviam ainda percebido quem ele era. Ora, uma parte importante dos ensinamentos do mestre eles haviam guardado com carinho: a hospitalidade. E foi este aprendizado que lhes ajudou a “abrir os olhos” naquela noite inesquecível. Foi somente no partir do pão, quando Jesus deu graças, que eles o reconheceram. Aí lembraram que, durante a caminhada, os seus corações já haviam ficado aquecidos durante a conversa, mas sem o entendimento pleno. O encontro com Jesus Ressuscitado fez com que o casal decidisse retornar a Jerusalém. Todo o medo e a frustração que sentiam se desvaneceram, criaram coragem e partiram de volta para a comunidade dos irmãos e irmãs. Foram resolutos se reunir com os demais seguidores e seguidoras de Jesus e, conversando, conseguiram se animar, cada qual contando sobre as notícias da ressurreição. Então era verdade!
A recomendação, portanto, ainda vale para nós hoje: conversar sobre o que aflige, o que nos causa tristeza, dor e luto. Usar, sim, a tecnologia para nos conectar e fazer boas trocas, conversar para reacender as esperanças, animar-nos mutuamente. Em casa, dar atenção especial para as crianças, jovens e as pessoas idosas. Amorosidade – esta talvez seja a palavra que pode nos ajudar muito nesses dias. É com solidariedade e verdadeira comunhão que seremos capazes de sobreviver ao isolamento social e aos efeitos deste sobre nossa vida financeira e profissional.
Na comunhão do diálogo e das trocas surgem as boas notícias que devem ter mais força que as más e falsas notícias. Depois de tudo, não será mais possível voltar a ser como antes, porque estaremos para sempre marcados pelo ano em que um vírus, incapaz de ser abatido por mísseis, colocou de joelhos nações e questionou valores, sonhos, planos, estruturas familiares e relações. Não seremos mais os mesmos. Não podemos querer que “tudo volte a ser como antes”. Depois de tudo o que a pandemia nos está trazendo, devemos ser melhores. Temos que tentar! Que o Deus da Vida nos ajude!
13 de abril de 2020.

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Carta Pastoral 02/2020 – Paixão e Páscoa em Tempos de Covid-19

Irmãs e irmãos das comunidades de fé,
Amigas e amigos da caminhada,
“Eu sou a ressurreição e a vida.
Quem crê em mim, ainda que morra viverá.
E todo o que vive e crê em mim
Não morrerá eternamente”.
Palavras de Jesus – João 11.25s

Nesses dias enviamos a vocês uma primeira Carta sobre o momento difícil que vivemos no mundo e, particularmente, em nosso país. A situação provocada pela pandemia do vírus Covid-19 ou coronavírus toma conta do mundo inteiro e se aprofunda dia a dia. Jamais se viu algo parecido. Quem conhece a história recente, vem afirmando que mesmo a Gripe Espanhola (que na verdade era norte-americana e foi levada à Europa no final da Primeira Guerra, vindo de lá para o Brasil) não chegou nem perto do que estamos assistindo hoje. Temos de assumir nossa parte e ficar em casa o mais possível. Certas estão as comunidades e colegas que transmitem cultos e meditações online ou via Youtube, Whatsapp e outros meios, assim procurando animar e confortar as pessoas das comunidades e quem mais tem acesso a estas mensagens.
As consequências da pandemia, como a PPL escreveu, serão gerais e irrestritas. Vão atingir a vida das pessoas, a economia como um todo e mesmo a situação política do mundo. O que virá depois da pandemia, ninguém pode ainda prever com segurança. Mas o mundo como o conhecemos não será mais o mesmo. O que sabemos é que muitas pessoas estarão chorando seus mortos, haverá luto, pranto e ranger de dentes, como se lê na linguagem bíblica. E diante deste quadro – que não tem nada de alarmista, mas procura ser sensato e verdadeiro – a nós como pessoas e comunidades de fé se coloca um desafio enorme. Será que estamos preparados para assumi-lo?
Estamos no tempo da Paixão de Jesus e de sua Páscoa. A carta anterior termina afirmando que não estamos sós neste momento de tanta angústia, incerteza e dor. O Deus vivo não nos abandona e certamente ouve nossos gritos. A Páscoa nos faz ver – mesmo entre as brumas – “sementes de esperança por toda parte”. Isto nos consola e
nos fortalece. E nos convoca para viver solidariedade onde, como e com quem pudermos, mesmo quem está em reclusão.
Hoje queremos chamar sua atenção para um aspecto desse tempo litúrgico e de fé que não pode nos escapar neste momento. E esta observação é crucial para nós, pois faz parte do fundamento da nossa fé e da nossa vida comunitária e cidadã. Não existe Páscoa sem Cruz, não temos acesso à Ressurreição sem passarmos – com Jesus – por sua Paixão e Morte (1 Coríntios 1.23s + Romanos 7.23ss). Se invertemos a ordem ou desconsiderarmos a crueldade da cruz que matou um Inocente, podemos ficar a meio caminho e não saberemos tirar as consequências mais radicais de nossa fé no Ressuscitado. É que somente se soubermos caminhar com Ele até sua cruz, como fizeram as mulheres suas discípulas, é que saberemos avaliar e nos comprometer com a libertação que significa aquela manhã maravilhosa quando Maria anunciou aos seus amigos: Ele ressuscitou! Ele verdadeiramente ressuscitou!
No momento em que tanta gente começa a ser contaminada pelo vírus, quando equipes de saúde se mobilizam em todos os lugares para atender as pessoas, recebê-las nos hospitais e mesmo em tendas improvisadas; no momento em que talvez tenhamos de tomar medidas muito graves para salvar vidas, como garantindo salários, alimento e teto para os sem-teto, das pessoas de fé se espera em primeiro lugar empatia, compaixão, capacidade para assumir com as pessoas suas dores, seus temores, suas súplicas. E assim, com o coração sangrando, mas solidário e amoroso, encontraremos na caminhada em meio a este verdadeiro vale da sombra da morte (Salmo 23.4 – nunca como nestes dias foi tão verdadeiro o conteúdo deste Salmo), a força que o Espírito de Deus nos dará para suportar nossa fraqueza e desconsolo. A Páscoa virá, certamente, nisso cremos e por isto entregamos nossa vida, bens, inteligência e solidariedade. Pela Páscoa de Jesus saberemos assumir os compromissos que a hora urgente nos cobra. Mas antes de ela chegar, saibamos caminhar com as pessoas neste cotidiano de luta, de busca, de sofrimento, de anseios por paz, saúde e justiça.
Que a Paz do Deus Vivo esteja com vocês!

Paixão e Páscoa de 2020.

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Carta Pastoral da PPL em tempos de Covid-19.

PASTORAL POPULAR LUTERANA – PPL
IGREJA EVANGÉLICA DE CONFISSÃO LUTERANA NO BRASIL

Irmãos e irmãs da Pastoral Popular Luterana, parceiros e parceiras de caminhada que, a partir da fé, semeiam sementes de esperança:
Vivemos um período de grandes desafios impostos pela pandemia do Covid-19, o qual tem ceifado vidas por todo o mundo. Pouco se sabe sobre esse novo vírus. Ele tem um alto índice de contágio e por isso nossa única forma de “resistência” é o isolamento e o distanciamento social, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e seguido pelos membros da IECLB, conforme recomendação da Presidência, Pastores e Pastoras Sinodais. O distanciamento social é a única forma de preservar a nossa vida e a vida das pessoas mais frágeis. Com isso, o mundo convocou uma “quarentena” que coincide com o tempo da Quaresma. Quaresma é o tempo de reflexão para o qual nunca tivemos tempo. O trabalho, os compromissos e as opções de lazer sempre ocuparam o tempo de reflexão que a Quaresma exige. Com a quarentena, muitas pessoas estão podendo fazer essa reflexão. Como Pastoral Popular Luterana queremos lembrar alguns pontos importantes para reflexão.
O vírus do Covid-19 é particularmente letal para grupos mais frágeis da nossa sociedade: idosos e idosas, pessoas com quadro de saúde fragilizado e as pobres que não têm a opção do isolamento, pressionadas por uma economia e política que não promove a vida, mas impõe o sacrifício de vidas em nome das exigências do mercado. Pessoas jovens e fortes, que são consideradas fora do “grupo de risco”, podem fazer pouco caso da pandemia? Essa é uma atitude cristã? Não. Aqui convém lembrar o conselho do apóstolo Paulo, os “fortes” devem cuidar dos “fracos” (Romanos 15.1). Há um desvio e uma banalização da espiritualidade e fé cristã quando se afirma que nada poderá acontecer se a pessoa tiver fé em Deus, porque Deus está no comando e Ele protegerá as pessoas fiéis, como se o vírus não pudesse alcançar e contagiar quem tem fé. A fé não traz imunidade. A fé nos move ao cuidado pessoal e ao cuidado extremo aos outros e às outras.
Estamos diante de novo tempo. Ninguém escapará: empresas, empregadas, empregados, pessoas excluídas do sistema e a sociedade em geral. Diante disso, somos chamados e chamadas a responder ao Evangelho, colocando em pratica ações solidárias com os nossos dons, bens e dinheiro. Porém, também somos provocados e provocadas a repensar a vida e a economia, inspirados e inspiradas na palavra do profeta: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Amós 5.24).
A contradição que a pandemia do Covid-19 revela é mais profunda que qualquer polarização política abstrata: é concreta e prática. Trata-se da contradição entre a vida e o dinheiro, entre uma economia que gera vida, bem-estar, que alimenta, e uma economia que só pensa no lucro, que explora as pessoas e a natureza e que cria desigualdade. A contradição da política que, ao invés de preservar a vida e cuidar dos mais fracos e das mais fracas, incita a lei do mais forte, colocando a vida sob ameaça. Para agradar os poderosos e o seu dinheiro, não permite a orientação a partir do conhecimento e das ciências, mas age a partir do desejo, da ganância e da soberba. Jesus afirmou que não se pode seguir a dois senhores, ao Deus da vida e ao dinheiro (Mateus 6.24). Diante dessa contradição precisamos fazer uma escolha. Nenhuma neutralidade é possível.
Tendo em vista que compartilhamos da mesma casa comum com toda a humanidade e com toda a criação, precisamos nos perguntar pelas pessoas mais fragilizadas. Esta é a pergunta que nós, da Teologia da Libertação, sempre nos fizemos. Nesse sentido, é momento de repensar nossas atitudes e a sociedade como um todo. Onde a exploração do ser humano pelo ser humano é a regra, precisamos preparar caminho para uma nova sociedade pautada pelo amor. Nela, a economia precisará estar a serviço da vida e do bem comum.
Por último, o Covid-19 alterou nossos hábitos. Aquele encontro com o próximo e a próxima para o chimarrão, o café ou o tererê, o aperto de mão e o abraço forem deixados momentaneamente para depois. Sabemos que todos esses símbolos de comunhão fazem parte do nosso cotidiano e da nossa experiência de fé como pessoas cristãs, luteranas e grupos da PPL. Estamos convidados e convidadas a viver essa comunhão temporariamente com ferramentas digitais e através da oração. É importante que lembremos que não estamos sós. O sentimento de solidão pode ameaçar a nossa esperança. Quando nos vemos sozinhos ou sozinhas nadando contra a maré, podemos nos sentir vencidos e vencidas por ela. Queremos, portanto, como PPL, lembra-lo e lembra-la que você não está sozinho, sozinha. Há sementes de esperança por toda a parte. Isso tudo vai passar e aqueles abraços e encontros deixados para depois terão um significado mais forte e proveitoso quando ninguém mais correr perigo de contágio. A Páscoa nos lembra que a vida renasce, nossas vidas também renascerão depois desse tempo. Por enquanto vamos deixar a Páscoa se aproximar e, cheios de esperança, ensaiar um tempo novo.
01 de abril de 2020.
Coordenação Nacional da PPL.

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Comunicado – Cancelamento do VIII Encontro Intersinodal de Mulheres PPL.

Graça e Paz, Irmãs e Irmãos
A Pastoral Popular Luterana informa o cancelamento do VIII Encontro Intersinodal de Mulheres PPL agendado para 29 de março de 2020 em Erval Seco/RS. A atuação da PPL sempre se identificou pela fé, compromisso e ação em defesa da vida. Tomamos essa decisão levando em conta: a) as orientações das autoridades de saúde diante da propagação do COVID-19 (Novo Coronavírus) e b) das orientações da Presidencia da IECLB que nos chama à responsabilidade de agir para que a epidemia não se alastre e venha a causar dor e sofrimento.
No momento queremos agradecer às pessoas que estiveram envolvidas na organização do evento e pedir pela compreensão das demais pela não realização do encontro. Com a mesma disposição vamos esperar para que o evento aconteça em outra data. A boa notícia é de que a Comunidade Evangélica de Confissão Luterana de Erval Seco se mantem disposta a nos receber futuramente
Que Deus mantenha sua graça e o seu cuidado sobre cada uma e cada um de nós

Despedimo-nos fraternalmente.
P. Renato Küntzer – Coordenador Nacional da PPL.

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Orientações sobre o Covid-19 (Coronavírus) – Nota da Presidência

Orientações sobre o Covid-19 (Coronavírus) – Nota da Presidência e de Pastores e Pastoras Sinodais (17/03/2020)
17/03/2020

“Ora, a esperança não nos deixa decepcionados, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi dado”
(Romanos 5.5)

Os casos de infecção por COVID-19 (Novo Coronavírus) aumentam a cada dia e necessitamos complementar orientações emitidas pela Presidência da IECLB no dia 04/03/2020. Naquela ocasião, a suspensão de atividades comunitárias foi considerada. Diante do agravamento do quadro, Presidência, Pastoras Sinodais e Pastores Sinodais da IECLB orientam a suspensão imediata, e por tempo indeterminado, de todas as atividades comunitárias que envolvem encontro presencial de pessoas, sejam elas de qualquer idade. A orientação se aplica inclusive aos lugares que não possuem casos ou relatos de casos do Novo Coronavírus. Dependendo da evolução da pandemia, a suspensão será revista e novas orientações serão emitidas.
Esta medida soma-se aos diversos esforços nacionais e mundiais para diminuir a proliferação do vírus. É tempo de incerteza, cautela e cuidado. Suspender atividades não é exagero, mas é atitude de responsabilidade com a vida. A propagação do vírus acontece através da proximidade e do contato físico. Suspendemos as atividades presenciais para evitar consequências desastrosas e trágicas. Agir preventivamente é tarefa de todas as pessoas, comunidades e lideranças. Reforçamos que as orientações e os decretos de qualquer instância governamental a este respeito devem ser obedecidos.
A suspensão de atividades presenciais não significa cancelamento de todas as atividades comunitárias. O trabalho e o cuidado ministerial não cessa, mas ganha outros formatos. Lembramos que todas as pessoas batizadas são chamadas a cuidar umas das outras. O povo de Deus deve continuar a vivência da fé e o vínculo com irmãs e irmãos através de outros meios, tais como:
– Oração. Vamos unir nossos corações, pensamentos e vozes em oração diária. Propomos que membros da IECLB se unam diariamente em oração às 7h e às 19h. A oração pode ser feita em qualquer lugar e através dela sentiremos a união no corpo de Cristo.
– Reuniões em família e cultos domésticos. As pessoas podem realizar leitura bíblica e orações em suas casas. Os Sínodos e a Secretaria Geral da IECLB oferecerão recursos para estes momentos (www.luteranos.com.br).
– Culto sem presença de público. Semanalmente, o Portal Luteranos disponibilizará pelo menos um culto gravado em vídeo. O Portal Luteranos já dispõe de estudos e cultos realizados em outras ocasiões. De acordo com a possibilidade, Ministras e Ministros podem gravar cultos e mensagens e transmiti-los através das redes sociais.
– Visitação. De maneira geral, não deve haver trabalho de visitação, salvo em casos de extrema necessidade. Entretanto, podemos “visitar” pessoas através de um telefonema ou de mensagens por outros meios.
– Sepultamentos. Nos ofícios de sepultamento, todas as pessoas devem evitar contato físico. Recomendamos realizar cerimônias mais breves e, onde possível, em lugares abertos. Em todos os casos, tomar as medidas de distância e higienização (sem distribuição de hinários e outros recursos impressos). No caso de falecimento em decorrência do Coronavírus, obedecer às orientações da autoridade de saúde.
– Templos abertos. Avaliar a possibilidade de manter igrejas e locais de culto abertos para pessoas que individualmente buscam um lugar para orar e meditar. Se houver mais pessoas no recinto, uma distância mínima entre uma e outra deve ser observada e os meios de higienização disponibilizados.
O cuidado com a vida e a ação diaconal fazem parte da essência da Igreja. Ao longo da história, a Igreja de Jesus Cristo demonstrou sua fidelidade ao Evangelho com atuação solidária em momentos de sofrimento. Mais uma vez, Deus nos chama para enfrentar uma situação difícil com fé, disposição para servir, ânimo e esperança.
“Não me desampares, SENHOR; Deus meu, não te ausentes de mim. Apressa-te em socorrer-me, Senhor, salvação minha” (Salmo 38.21-22).

Pa. Sílvia Beatrice Genz – Pastora Presidente da IECLB
P. Odair Airton Braun – Pastor 1º Vice-Presidente IECLB e P. Sinodal do Sínodo Paranapanema
P. Dr. Mauro Batista de Souza – Pastor 2º Vice-Presidente da IECLB
P. Afonso Adolfo Weimer (Sínodo Rio Paraná)
P. Carlos Eduardo Müller Bock (Sínodo Rio dos Sinos)
P. Dr. Claudir Burmann (Sínodo Norte Catarinense)
P. Décio Weber (Sínodo Centro-Campanha-Sul)
P. Elisandro Rheinheimer (Sínodo Mato Grosso)
P. Gilciney Tetzner (Sínodo Vale do Taquari)
P. Guilherme Lieven (Sínodo Vale do Itajaí)
P. Ismar Schiefelbein (Sínodo Espírito Santo a Belém)
P. Jair Luiz Holzschuh (Sínodo Uruguai)
P. Joel Schlemper (Sínodo Centro-Sul Catarinense)
P. Me. Marcos Jair Ebeling (Sínodo Sudeste)
Pa. Patrícia Bauer (Sínodo Brasil Central)
P. Ricardo Cassen (Sínodo Planalto Rio-Grandense)
Pa. Roili Borchardt (Sínodo Sul-Rio-Grandense)
Pa. Ma. Tânia Cristina Weimer (Sínodo Nordeste Gaúcho)
Pa. Vera Lúcia Engelhardt (Sínodo da Amazônia)
P. Vilson Emilio Thielke (Sínodo Noroeste Riograndense)
https://www.luteranos.com.br/textos/coronavirus/orientacoes-sobre-o-covid-19-coronavirus-nota-da-presidencia-e-de-pastores-e-pastoras-sinodais-17-03-2020

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Nota Sobre o Covid 19 – FLD

https://fld.com.br/notas-publicas/2020/nota-covid-19/?fbclid=IwAR1EiJcnWxvDlHH5tBGe6GzDhnfZVomODOrvChU_sOAHLemdjaUzAUVFHw4#.XnK4pwto5h4.facebook

“O verdadeiro amor lança fora o medo”. 1 João 4.18

O avanço do COVID 19 ameaça diretamente todas as pessoas e grupos que vivem há séculos em isolamento social com invisibilidade de direitos.

Diaconia é denúncia da insensatez e do desamor de lideranças políticas e religiosas fundamentalistas que optam pela ignorância e oportunismo em detrimento das políticas públicas e medidas imprescindíveis nesse cenário de riscos extremados.

A defesa de direitos é o coração da diaconia transformadora de Jesus. Diaconia é fé engajada contra as desigualdades. É saúde, segurança e moradia. É distribuição justa de renda. É trabalho digno, economia popular e solidária. É diversidade, justiça de gênero e democracia.

Diaconia é território sagrado assegurado para os povos e comunidades tradicionais.

A prioridade da atuação diaconal da FLD-COMIN-CAPA são as pessoas em situação de violação de direitos, seus territórios e o cuidado com as equipes de trabalho. Assim, FLD-COMIN-CAPA decidem:

Acompanhar e apoiar os grupos vulneráveis em tempo real e de forma segura;
Instalar trabalho remoto para as equipes, seguindo as orientações de recolhimento em casa e isolamento físico, quando necessário;
Cancelar e/ou transferir todas viagens e atividades presenciais;
Defender o SUS e a revogação imediata da EC 95/2016 que impôs o congelamento por 20 anos nos investimentos públicos;
Adoção urgente da renda básica cidadã para as pessoas empobrecidas e duramente afetadas pela crise econômica.
#diaconiaprofetica

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Cartas Pastorais

Posicionamento do Sínodo Sudeste acerca do Carnaval 2020

 

https://www.luteranos.com.br/noticias/sudeste/posicionamento-do-sinodo-sudeste-acerca-do-carnaval-2020

Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
17/02/2020

* Sobre a missão da IECLB e o lugar de testemunho da fé.
* O samba enredo: sua mensagem, algumas afinidades e limites à luz da Bíblia e da confessionalidade luterana.
* A IECLB não participará do desfile como instituição. Reconhece múltiplos lugares como espaços de testemunho da fé em Cristo. Em todos temos um chamado ao zelo bíblico e confessional.
* Fortalecemo-nos como Igreja quando reconhecemos as muitas formas de testemunhar com convicção e fé o nome de Jesus Cristo.

“Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem,” (João 10.14).

A IECLB tem como missão propagar o Evangelho de Jesus Cristo, estimular a sua vivência pessoal na família e na comunidade e promover a paz, a justiça e o amor na sociedade brasileira e no mundo (Art. 3º da Constituição da IECLB). Para dentro de quais espaços a IECLB é chamada a dar testemunho de Jesus Cristo? Em quais espaços ela está disposta a fazê-lo? Quem o fará?

Estas e outras perguntas muito nos ocupam ao longo da história e também no início de 2020. A motivação específica é a possibilidade de participação da IECLB no desfile de carnaval que o Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira (Mangueira) promove neste ano na cidade do Rio de Janeiro. A Mangueira propõe em seu samba enredo falar de Jesus. Imagina ele nascido na periferia da cidade do Rio de Janeiro, no Morro da Mangueira, entre as pessoas da favela. Canta o “Jesus da gente”, ou seja, o Jesus de quem vive ali e sofre marginalização por cor de pele (negra), pela origem (indígena) ou por ser mulher. Conclui que este “Jesus da gente” também hoje morreria, vítima da intolerância e violência.

Três aspectos chamam a atenção no samba enredo: 1ª) a denúncia da difícil realidade de vida nas periferias da cidade, sobretudo no Morro da Mangueira; 2ª) a mensagem de fé que aponta para a presença de Jesus, por ser onipresente, neste contexto de periferia; 3ª) a mensagem política/econômica que clama por partilha e fala do “Messias de arma na mão”.

A mensagem do Jesus na periferia, identificado com a pessoa pobre, solidário às pessoas em sua realidade de vida, não é nova para as comunidades da IECLB. Também o tema da intolerância religiosa nos é precioso e reiterado no meio ecumênico ou na vivência inter-religiosa. Some-se a isto o histórico da IECLB de ser uma Igreja dialogal, aberta e que sabe dar razão da sua fé.

Visto a partir de uma perspectiva ampla, o samba enredo e os carros alegóricos da Mangueira não configuram ofensa para a fé cristã de confessionalidade luterana. Esta avaliação decorre da leitura do texto que fundamenta o samba enredo e do relato de ministros e ministra da IECLB que participaram de reunião na escola de samba e puderam ver as alegorias. Entretanto, não sejamos ingênuos: o samba carioca vive também de surpresas. Algo pode não ter sido mostrado, pode ser pensado posteriormente ou mesmo não ser percebido por quem lá esteve.

Olhando para detalhes do samba enredo, há questões críticas e afirmações que somente podem ser reconhecidas como hipóteses ou figuras de linguagem. A comparação de José a um desempregado é um exemplo. Em nenhum lugar da Bíblia se diz que José era desempregado, mas também não se diz que ele sempre tinha trabalho. No campo da suposição, José poderia ser um carpinteiro empregado ou desempregado. Na favela talvez viveria de bicos. A análise em detalhes encontrará incongruências sob a perspectiva bíblica ou confessional. Mas também em nossas vidas há contradições e há incoerências. Mesmo sendo pessoas batizadas e justificadas por Deus, não estamos livres da ambiguidade. Fazemos o bem, porém também praticamos o mal. Por consequência, resta a pergunta sobre como nossa vida e conduta são avaliadas por Deus e pelas pessoas.

Sob a perspectiva da fé cristã só podemos confirmar a frase “Nem messias de arma na mão”. Jesus Cristo, o Messias, não veio ao nosso encontro de arma na mão. Veio em forma de criança pobre, nasceu numa estrebaria de animais e teve como primeiro berço um coxo de animais (Lucas 2). Confrontado com uma situação de violência e com a possibilidade de uso do poder no momento de sua prisão, Jesus Cristo disse a um discípulo: guarde a sua espada (Mateus 26). No samba enredo, a referência à arma tem conotação política, uma vez que são conhecidos os gestos de arma e propostas de flexibilização da posse de armas. No ambiente de extrema polarização política reside aqui uma grande parte da tensão. Como a Igreja se posiciona? Por um lado, a Igreja defende a liberdade de expressão e reconhece que cada pessoa tem a liberdade de escolher o seu projeto político. Por outro lado, a Igreja afirma que a posse de armas não soluciona o problema da segurança pública. Arma não é instrumento pacificador. É mecanismo de morte. Mas também não podemos deixar de perguntar se a referência ao “punho cerrado” é representação adequada para uma proposta de paz ou referência política. Como Igreja também não compactuamos com fatos ocorridos em escolas de samba do Rio de Janeiro, tais como envolvimento com jogo do bicho e o tráfico de drogas. Da mesma forma, temos o cuidado de não “romantizar” o desfile do carnaval e achar que ele resolverá os problemas sociais.

Muitas pessoas e comunidades refletiram a possível participação da IECLB no desfile da Mangueira. Também o Sínodo Sudeste e a presidência da IECLB o fizeram. Houve longas conversas, visita ao pavilhão da Mangueira, conferência de ministras e ministros do Núcleo Rio de Janeiro, reunião da Diretoria do Sínodo, cartas, manifestações e preocupações saudáveis de cuidado com a expressão coletiva da fé e a edificação de comunidades. Todo este processo mostrou que não há consenso em torno do tema e por isso consideramos:

a) A participação no desfile carnavalesco levanta a pergunta pela compreensão do que é sagrado e profano. Reconhecemos que “sagrado” não é somente o espaço reservado de uma comunidade. Sagrado é o espaço ocupado por Deus. Sagrado está ali onde Cristo está e onde as pessoas o testemunham. Mesmo assim, a perspectiva da fé de quem entende o sagrado de forma diferente merece consideração e respeito.

b) O desfile não é proposição do Sínodo Sudeste, de suas comunidades ou da IECLB como instância nacional. É um convite que abre a possibilidade de nos unirmos a um evento cultural e festivo. Também isto não é novidade na IECLB. Em diversos momentos ministras, ministros e lideranças da IECLB marcam presença em solenidades públicas, em festas populares, em eventos culturais. Tais ocasiões são oportunidade de nos apresentarmos para a sociedade com uma mensagem cristã. No caso do desfile carnavalesco, a mensagem seria: nossa fé não exclui o povo da periferia e nós nos esforçamos para estar ali também com a vivência da paz, da justiça, do perdão, da vida e da salvação.

c) Reconhecemos virtudes no samba enredo e o direito de uma escola de samba se manifestar religiosa e politicamente. Mesmo assim, como instituições, a IECLB e o Sínodo Sudeste não indicarão representante para participação no desfile da Mangueira. Se alguém da IECLB decidir por participação, esta ocorrerá em caráter particular e oramos para que aconteça com zelo pela expressão coletiva da fé.

d) Todas as pessoas são chamadas para serem testemunhas de Jesus Cristo. Este chamado reafirmamos como IECLB. Compreendemos que todos os espaços são legítimos para a expressão da fé cristã por crermos que Cristo pode estar em todos os lugares. Por isso conclamamos cada pessoa a testemunhar Jesus Cristo neste carnaval, não importando onde, se em culto comunitário, em um retiro, em um bloco de rua ou na avenida do samba. Testemunhar significa dar expressão e forma da fé em Cristo. Significa dar expressão ao perdão, à vida plena e à salvação.

e) Somos uma igreja plural na expressão da fé e por isso as manifestações são plurais. Conviver na pluralidade já é, por si só, um belo testemunho da fé em Cristo. Por vezes temos falhado neste aspecto e as manifestações nas redes sociais atestam a falha. Por isso nos dirigimos aos grupos que formam a “IECLB virtual”. Também este é espaço de testemunho cristão, de respeito às pessoas, de edificação da “IECLB real”, esta que se reúne face a face em diversos espaços. A teologia luterana destaca que somos pessoas justas e pecadoras ao mesmo tempo. Todas as pessoas! Por isso, tenhamos cuidado ao apontar o dedo para supostos pecados das outras pessoas. Cada qual analise a sua vivência e deixe a Deus os julgamentos. Deus não necessita de promotoras ou promotores de acusação, mas nos chama para ser testemunhas que praticam o amor e a justiça. Há que se distinguir entre a necessária denúncia profética e a dispensável acusação moralista.

f) Por um lado, queremos ter ousadia na missão. Por outro lado, não queremos escandalizar. Somente o cuidado pastoral e o amor às pessoas podem dizer quando um ou outro precisam ser enfatizados. O cuidado pastoral e o exercício do amor também nos fazem perceber que não conseguimos criar unanimidade em torno do assunto. Esta não é a preocupação maior. A preocupação maior está com a expressão de respeito aos diferentes jeitos de testemunhar o nome de Jesus Cristo. Assim como o corpo de Cristo não é formado por um só membro, também o Cristo morto e ressuscitado não é plenamente testemunhado de uma só maneira. Nossa grande chance está no propósito de construir diferentes formas de testemunho da fé sem comprometer a unidade. Nossa grande chance está em reconhecer que o testemunho da fé em Cristo é exercido nas comunidades, mas que precisamos de aproximação com quem hoje ainda não alcançamos. Sem espaços de aproximação também será pequena a esperança de que novas possibilidades de anúncio da mensagem evangélica de paz, justiça, perdão, vida e salvação em Cristo se concretizem.

Como interlocutores oficiais da Igreja neste caso indicamos o coordenador local do colégio de ministras e ministros e o Pastor Sinodal do Sínodo Sudeste.

Que Deus estenda sua mão sobre nós e abençoe as possibilidades que se nos apresentam neste carnaval.
São Paulo, véspera do carnaval de 2020.

A Diretoria do Conselho Sinodal

Nota: A Presidência da IECLB apoia os encaminhamentos feitos pelo Sínodo Sudeste e o posicionamento emitido pela sua Diretoria.

Porto Alegre, fevereiro de 2020
Presidência da IECLB