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Cartas Pastorais

A irrupção dos sagrados soterrados por projetos missionários colonizadores – desafios para o testemunho cristão em sociedades plurais

Pa. Ms. Romi Márcia Bencke

“Pensar a América Latina é algo que exige saber operar com paradoxos e contradições sem superação.”

Parte 1. O mito do Brasil cristão
A chegada dos portugueses ao território, que foi chamado Brasil, inaugurou uma história de ambiguidades, contradições, paradoxos, violências e desigualdades que perduram até os tempos atuais. Estas características estão presentes quando se analisa as ações missionárias que ocorreram no país, fortemente caracterizadas pela conversação forçada dos povos originários, os indígenas.
Na obra “Brasil: uma Biografia” (2015), as autoras Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling recuperam com detalhes os três principais alicerces associados ao projeto colonialista português. O primeiro foi o alicerce militar. O segundo o alicerce foi a religião cristã. A estratégia colonialista compreendia que a nova terra deveria ser toda ela ofertada para Deus. Esta oferta ocorreria pela conversão dos gentios (indígenas). E, o terceiro alicerce era o mercantil, iniciando com a exploração do Pau Brasil.
Rapidamente uniram a religião com o mercantil. Os religiosos batizavam e catequizavam indígenas que eram obrigados a esquecer do seu sagrado e de sua cultura. Tudo realizado com muita violência. Uma vez “civilizados” pelo cristianismo os povos originários eram tornados escravos. Os que se rebelavam eram castigados. Talvez seja forçado associar esta prática com projeto missionário. Nos tempos atuais, esta prática estaria mais associada à instrumentalização mútua entre religião, política e economia para alcançar determinado objetivo.
Apesar da incerteza em relação ao número de povos originários que viviam no Brasil no ano de 1500, estima-se algo em torno de 3 milhões a 8 milhões de pessoas, que se dividiam em muitos povos, com distintas tradições religiosas e idiomas. O projeto colonialista dizimou um grande número destes povos. Não há dados concretos que dimensionem o que significou este etnocídio que tem perdurado desde que o Brasil se chama Brasil.
Posteriormente, a mesma prática se repetiu com os africanos e africanas trazidos para serem escravizados. O primeiro que se fazia com as pessoas africanas que pisavam em terra brasileira era batizá-las para que se tornassem gente. Compreendiam que nem indígenas e nem os africanos tinham alma. Só o batismo poderia torná-las humanas e civilizadas. Schwarcz e Starling (2015) destacam que foram trazidos à força para o Brasil 40 % das pessoas retiradas da África para trabalhar nas colônias agrícolas da América portuguesa. Isso significa “3,8 milhões de pessoas. Atualmente, 60% da população brasileira é composta por pessoas pardas e negras. Segundo as autoras, “o Brasil pode ser considerado o segundo mais populoso país africano, depois da Nigéria” (pos. 259).
Da mesma forma que os povos originários, também os povos africanos tinham as suas tradições religiosas, trouxeram do além-mar seus deuses, suas deusas, seus ritos, cantos sagrados. Muitos escravizados eram lideranças religiosas em suas tribos. O silenciamento de seus sagrados foi realizado com violência. Para seguir praticando sua tradição foi necessário criar estratégias. Os cultos aos Orixás eram realizados de madrugada, o sincretismo, que associava cada santo católico a um orixá garantiu a sobrevivência dos deuses da África.
As missões protestantes também não romperam com a lógica da missão como instrumento de conversão forçada para a fé em Jesus Cristo. Os alvos da conversão eram católicos romanos, povos originários e afro-brasileiros.
No período do Brasil Império, a Igreja Católica Romana foi a Igreja oficial do país e, posteriormente, com a proclamação da República, além da igreja Católica Romana, as igrejas do protestantismo histórico foram reconhecidas como instituições religiosas legítimas. Em função disso, até tempos recentes, o país foi considerado como o maior país cristão do mundo, especificamente, como o maior país católico do mundo.
No entanto, este brevíssimo resgate histórico, apresenta elementos para suspeitar desta afirmação repetida por muitos anos.
Para fundamentar a suspeita, recupero o conceito de bovarismo elaborado por Sérgio Buarque de Holanda (1995; p. 166) em seu clássico livro Raízes do Brasil. O autor utiliza este conceito para se referir ao sentimento insuportável de desencantamento que os brasileiros sentem diante de suas condições reais de vida. Isso significa que as pessoas se imaginam sempre diferentes do que são. É como recusar o Brasil real e imaginar um Brasil diferente daquele que realmente existe, uma vez que este país não satisfaz e as pessoas se sentem sem força para mudá-lo (pos. 291).
Arriscaria falar de um “bovarismo religioso” que surge a partir da impossibilidade de os povos originários optarem em não serem cristãos. Da mesma forma, a população afro-brasileira, ainda hoje, sente medo de declarar a sua real pertença religiosa. Geralmente, se declaram católicos romanos em função do medo da perseguição religiosa. As pessoas sem religião se apresentam desta forma a muito pouco tempo. Neste sentido, criou-se um país com uma religião hegemônica para negar-se a existência de um país que sempre foi plural em termos religiosos. O “bovarismo religioso” seria a negação de sua real pertença religiosa para poder viver um país que não assume e não reconhece a legitimidade da sua pluralidade religiosa. É como se o espelho refletisse a cruz, Buda, os instrumentos sagrados do Candomblé, o Bastão Sagrado do povo Tukano e víssemos apenas a cruz.
O Brasil é um país onde a religiosidade brota. Não são somente igrejas novas que surgem aqui. Há muitos outros movimentos religiosos que são autenticamente brasileiros, como por exemplo, o Santo Daime, que surgiu na Amazônia. No entanto, assim como há o nascimento de novas religiões, que são uma espécie de síntese de diferentes tradições religiosas, temos religiões que existiram apenas aqui, cujos sagrados foram dizimados com o seu povo. São sagrados dos quais não sabemos o nome, nem os ritos.
O Brasil é também um país de sagrados soterrados por projetos colonizadores. A cruz, neste caso, não representou salvação, mas um instrumento utilizado para aniquilar quem pudesse atrapalhar o projeto de extração das riquezas naturais.
No entanto, o sagrado, a magia ou os encantados (como dizem os povos originários) não podem ser dominados para sempre. Nos últimos anos tem acontecido um movimento muito interessante que tem rompido com o mito do país cristão. Este movimento é protagonizado por povos originários e afro-brasileiros que reivindicam o direito aos seus sagrados. Pajés, que são as lideranças religiosas indígenas, têm escrito livros com a ajuda de antropólogos onde relatam seus mitos, suas tradições, seus rituais. Destaco dois livros. O primeiro, “O Mundo Tukano antes dos Brancos”, de Álvaro Tukano e o segundo, “A queda do Céu” de Davi Kopenawa e Albert Bruce.
Também no cinema o tema da morte do sagrado original dos povos tradicionais tem sido abordado. É ocaso do filme “Ex Pajé” de Luiz Bolognezi. No filme, o pajé Perpera, se converteu para o pentecostalismo, que declarou sua antiga tradição da Pajelança como demoníaca. No decorrer do filme, Perpera, é levado a questionar esta fé cristã, porque uma de suas parentes indígenas é picada por uma cobra e está à beira da morte. Para salvá-la, ele precisa se decidir se retornará a sua antiga tradição ou não. No processo de reflexão percebe que os mais jovens não conhecem mais as antigas tradições do seu povo Paiter Suruí.
Estas iniciativas representam a resistência e a luta para não deixar morrer as várias expressões do sagrado que povoam o Brasil. Povos como os Guarani Kaiowa, que há anos resistem ao avanço do agronegócio, no Mato Grosso do Sul, têm como centro de sua resistência a preservação de suas Casas de Reza, seus espaços sagrados. As Casas de Reza são um dos primeiros lugares destruídos pelo agronegócio como forma de fragilizar as comunidades indígenas. O movimento ecumênico brasileiro tem ajudado os povos Guarani Kaiowa a reconstruir algumas destas Casas.
Da mesma maneira, os povos de Terreiro, formados pelos praticantes de religiões afro-brasileiras, têm se afirmado na resistência ao racismo religioso, manifestado na intolerância religiosa por causa da origem africana destas tradições. A intolerância manifesta-se das mais variadas formas. Apresenta-se desde violência física, na negação de crianças ou jovens praticantes destas tradições portarem seus símbolos religiosos nas escolas, projetos de leis que querem limitar a prática dos cultos e assassinatos de lideranças religiosas.
Frente a estas intolerâncias, os povos de Terreiro têm se organizado e realizado marchas e caravanas à Brasília, reivindicando o respeito à liberdade religiosa e ao estado laico, ambos garantidos pela Constituição Federal. No ano de 2015, lideranças religiosas de terreiro de todo o país se reuniram no Congresso Nacional em Brasília, trajadas com suas vestes tradicionais para denunciar a violência que tem sofrido. Foi a primeira vez em que um número tão expressivo havia se reunido no Congresso. Muitos parlamentares se negaram em reunir-se com estas lideranças.
A intolerância às tradições de Terreiro desafiou o movimento ecumênico sobre gestos concretos de solidariedade que fossem além do diálogo inter-religioso. Neste sentido, temos apoiado em diferentes estados a criação de Fóruns pela Diversidade Religiosa. No ano de 2015, foi queimado na cidade de Brasília por intolerância religiosa o Terreiro da Mãe Baiana.
Mãe Baiana é uma liderança africana importante na capital federal. Em seu Terreiro ela desenvolve muitos projetos sociais, que tiveram que ser suspensos após o incêndio. Como gesto de solidariedade, a diretoria do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC visitou oficialmente o Terreiro, junto com outras pessoas vinculadas às igrejas que integram o Conselho. O arcebispo de Brasília, Dom Sérgio da Rocha, enviou, pelas representações católicas romanas, uma carta de solidariedade à Mãe Baiana. Na visita, plantamos uma muda de Pau Brasil, árvore símbolo do país. A árvore foi um pedido de Mãe Baiana. Havíamos perguntado para ela do que precisava, pois queríamos ajudar. Ela pediu a árvore, que foi plantada segundo o rito religioso de sua tradição.
Outro gesto, concreto de solidariedade foi realizado pelo CONIC do Rio de Janeiro em novembro de 2017. Naquele ano foi incendiado o Terreiro de Mãe Conceição. O Conselho de Igrejas daquela cidade organizou uma coleta de dinheiro para ajudar na reconstrução do Terreiro. A coleta angariou R$13 mil reais que foram entregues em novembro.
Tais movimentos são movimentos de irrupção dos sagrados silenciados e soterrados. Não há como manter enterrado o que pulsa com força.
Recupero um trecho do livro “A queda do Céu,” onde o Pajé Davi Kopenawa reflete sobre a continuidade da sua tradição Yanomami:
“Apesar de todos esses lutos e prantos, nossos pensamentos acabam se acalmando. Somos capazes de caçar e de trabalhar de novo em nossas roças. Podemos recomeçar a viajar pela floresta e a fazer amizade com as pessoas de outras casas. Recomeçamos a rir com nossos filhos, a cantar em nossas festas reahu e a fazer dançar os nossos espíritos xapiri. Sabemos que eles permanecem ao nosso lado na floresta e continuam mantendo o céu no lugar”. (p. 79)
Esta irrupção dos deuses e deusas soterrados não acontece sem tensões e conflitos. Tem aumentado significativamente os casos de intolerância religiosa em especial contra as religiões de povos originários e afro-brasileiros. No entanto, a intolerância é manifestada também contra cristãos e cristãs que expressam sua solidariedade com as tradições que sofrem a intolerância. Chama a atenção como tem se tornado fácil, no Brasil, a proliferação do discurso de deslegitimação e aniquilamento público do outro em nome de Deus e de Jesus. É o que irei abordar no próximo item.
Parte 2. Os conflitos em nome de Deus
Conflito 1: Rio de Janeiro, setembro de 2017: na internet, nos jornais e na televisão chegam notícias de uma série de ataques a Terreiros de Candomblé e Umbanda. Os que atacavam, chegavam aos Terreiros armados com cassetetes, escrito “diálogo” e obrigavam as Mães e Pais de Santo a destruírem seus próprios símbolos e espaços sagrados. Os intolerantes filmavam a destruição e diziam: “olhem aí: a capeta chefe – quebra tudo…apaga a vela. O sangue de Jesus tem poder. Todo o mal tem que ser desfeito, em nome de Jesus. A senhora é o demônio-chefe”. Em alguns casos, as lideranças foram ameaçadas de morte.
Posteriormente, estes ataques, revelaram um fenômeno que tem ocorrido no Brasil, pelo menos, desde os anos de 1990, mas se intensificado nos anos 2000, que é a aproximação entre traficantes e evangélicos.
No livro “Oração de Traficante” (2015, p. 364), Cunha chama a atenção que a aproximação entre evangélicos e traficantes apresenta múltiplas formas de relação, entre as quais destacam-se: os traficantes frequentam os cultos evangélicos; participam de correntes e de campanhas das igrejas, realizam contribuições financeiras para as igrejas; fazem doações diretas às lideranças das igrejas e de dízimos; pedem proteção e livramento do Mal; promovem financiamento de eventos evangélicos na favela; promovem cultos de ação de graças; mandam pintar muros e outdoors com mensagens bíblicas.
Conflito 2: junho de 2015 – Parada Gay em São Paulo: a Transexual Viviany Belobony, que é atriz, realiza uma encenação da crucificação de Cristo para denunciar o assassinato de travestis e transexuais no Brasil. Em 2017, foram assassinadas 179 transexuais e travestis. A performance da atriz gerou grande polêmica nacional. Ela foi atacada nas redes sociais e agredida fisicamente na rua. A Associação das Igrejas Evangélicas de São Paulo denunciou Viviany ao Ministério Público por ultrajar, impedir e perturbar o culto religioso. Destaca-se que Viviany é de família cristã e quando planejou a sua apresentação tinha em mente o significado da cruz como símbolo da violência. A Igreja Episcopal Anglicana convidou Viviany para participar de um seminário sobre diversidade sexual na igreja. Viviany foi e agradeceu a solidariedade. Destacou todo o processo de criação de sua apresentação. Foi um dos poucos espaços religiosos em que ela pôde falar sem medo.
Em todos os debates ocorridos na sociedade por causa da apresentação de Viviany o que se sobrepôs foi o de ultraje da cruz. Foram poucas as discussões sobre a violência praticada contra transexuais e travestis. É importante destacar que no ano de 2015, já estavam acontecendo muitos debates e movimentos organizados contrários à perspectiva de gênero. Estes movimentos são protagonizados por grupos cristãos conservadores de diferentes igrejas. Uma das consequências deste movimento é justamente o fortalecimento do preconceito contra gays, travestis e transexuais.
Conflito 3: ano de 2018 – contexto eleitoral brasileiro: estamos a vinte e seis dias das eleições gerais. O quadro político que se apresenta é incerto e relativamente tenso. Novamente Deus tem sido um ator importante no cenário político. Seu nome é disputado por todas as correntes políticas. Nas igrejas, é possível observar as mesmas tensões e polarizações que estão na sociedade. Irmãos brigando com irmãos.
Frente ao aumento da expressão pública do fundamentalismo cristão, as universidades brasileiras têm procurado dialogar com quem tem procurado refletir teologicamente sobre temáticas relacionadas aos direitos humanos, em especial das minorias. Entretanto, também a liberdade de reflexão e elaboração teológica tem sido pouco aceita. Para muitos membros de igrejas, o livre pensar teológico tem sido um problema, mesmo quando é realizado com responsabilidade. Nesse sentido, a pergunta é como se atualiza o testemunho cristão em um mundo cada vez mais complexo se a teologia não pode ser livre das institucionalidades.
O acirramento dos conflitos em nome de Deus, que é um conflito falso, porque a fé em Jesus Cristo convoca para a unidade (Jo 17.23-23) gera desconfiança e prejudica o testemunho cristão no espaço público. Como falar em amor se muitos de nós anunciam o ódio?
Apresentei três grandes blocos de conflitos que envolvem diretamente o testemunho cristão em uma sociedade plural. O primeiro bloco de conflito remete à pluralidade religiosa, o segundo bloco à diversidade de gênero e à pergunta se cabe a nós determinar quem pode ou não ser cristão? No Brasil, pessoas LGBTs reivindicam nas igrejas o seu direito de ser cristãs e nem sempre são aceitas. E, por fim, o bloco três, tem a ver com a instrumentalização do nome de Deus para a legitimação de interesses políticos institucionais e a falta de liberdade teológica para qualificar as discussões relacionadas sobre religião e direitos humanos.
Esta breve síntese dos principais conflitos apresentados pela sociedade plural contribuirão para a elaborar alguns desafios para o testemunho cristão no Brasil.
Para não concluir: desafios para ensaiar o testemunho cristão em um Brasil plural
O primeiro desafio para o testemunho cristão em contexto brasileiro é superar o que chamamos de “bovarismo religioso”, reconhecendo a existência e a legitimidade da pluralidade brasileira. Há uma resistência de parte significativa de pessoas cristãs em aceitar as diferentes tradições de fé que estão presentes no contexto brasileiro. Compreendê-las não como ameaça, mas como expressões do amor de Deus seria um testemunho concreto de amor ao próximo.
O segundo desafio é afirmar claramente que o Evangelho e a violência são incompatíveis. Não há como professar a fé em Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, destruir o sagrado do outro. Da mesma forma, não é possível negar, em nome de Deus e da fé em Jesus Cristo, o direito à existência do outro por causa da sua orientação sexual ou tradição religiosa.
O terceiro desafio, fortalecer as alianças de solidariedade e de proteção aos sagrados em risco de extinção. Cada tradição religiosa reúne um conjunto de sabedorias que, se não forem cuidadas e preservadas, empobrecem a própria humanidade.
O quarto desafio, repensar o que é igreja. Isso significa não sobrevalorizar as institucionalidades. Elas são importantes, mas não é um fim em si mesmo. O objetivo é sempre o testemunho da fé em Jesus Cristo e a proclamação do Reino. De nada vale ter a instituição se não testemunhamos Jesus e não proclamamos o Reino de justiça e misericórdia (Mt 25.34-26; Lc 1.46-56; Lc 6.36-46). Nesse sentido, não perder a perspectiva do projeto originário de Jesus é um exercício permanente a ser feito.
O quinto desafio, liberdade teológica para atualizar o testemunho cristão. A fé em Jesus Cristo é dinâmica. Ela não congela no tempo. Sua mensagem se atualiza. Por isso, é necessário que o fazer teológico não esteja condicionado a doutrinas, dogmas e poderes institucionais.
Finalmente, o permanente desafio da igualdade na diversidade e da abertura das fronteiras. O século XXI apresenta paradoxo no fim de todas as fronteiras e, ao mesmo tempo, do desejo de se erigir novos muros para separar e confinar os que fogem de guerras e da falta de perspectiva.
Uma inspiração para o testemunho cristão em um mundo plural pode ser o exemplo da comunidade de Gálatas, que se deparou com os conflitos que se originam do encontro entre diferentes culturas e nos deixou como herança a o legado abaixo:
“De fato, vós todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus, pois todos vós que fostes batizados em Cristo vos vestistes de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem e mulher, pois vós sois um só em Cristo Jesus. (Gl 3.28)
É esta orientação que precisa valer hoje também para cristãos e cristãs de qualquer lugar do mundo.

Bibliografia
CUNHA, Christina Vital da. Oração de Traficante. Uma etnografia. 1. Ed. Rio de Janeiro: Graramond Universitária, 2015
FERREIRA, José Antônio. Gálatas. A epístola da abertura de fronteiras. São Paulo: Ed. Loyola, 2005;
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras 26.ed., 1995.
KOPENAWA, Davi; BRUCE, Albert. A Queda do Céu. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
SAFATLE, Vladimir. Só mais um esforço. São Paulo: Três Estrelas, 2017.
SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING; Heloisa M. Brasil: uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Livro Eletrônico.
TUKANO, Álvaro. O Mundo Tukano antes dos brancos. Um mestre Tukano, vol. I. Brasília:INCTI/UNB/CNPQ, 2017.

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Já fazem dois anos … e ainda tão atual!

QUINHENTOS ANOS DE REFORMA

O FOSSO SOCIAL
O povo brasileiro está dividido. Um largo fosso social, secular e cruel, divide nossas cidades em centro e periferia; divide as pessoas em “famílias de bem” “e maus elementos”, conforme o jargão policial; divide o povo em brasileiros a quem tudo é concedido e brasileiros a quem tudo é tirado; em funcionários bem pagos que trabalham pouco e pessoas desempregadas, muitas vezes chamadas de vagabundas, porque não encontram emprego que mereça esse nome; em meninos soterrados de presentes e meninos que não têm nenhum brinquedo; em mulheres que fazem compras de supérfluos em Miami e mulheres que buscam sua comida nos lixões; em meninas que ostentam seus vestidos de grife e meninas que precisam prostituir-se para viver; em centro e periferia, em moradias confortáveis e favelas sem conforto; em “bairros nobres” e vilarejos de casebres feitos com trapos e farrapos. Há uma classe dirigente, com nomes que vem desde os tempos do Império, uma elite sempre infiel ao povo (Darci Ribeiro), de mentalidade ainda escravagista, extremamente hábil para manter-se no poder, através da manipulação de eleitores e eleitoras e através de golpes; uma elite dirigente que perpetua a divisão e renova o fosso, se necessário com golpes e enganações), em todos os momentos nodais da história brasileira. Conforme pesquisa recente de um grupo de cientistas franceses, houve ligeira diminuição do fosso social brasileiro durante os primeiros anos do século 21, mas essa melhora foi seguida de uma queda de 19 pontos (na escala adotada pelo grupo), nos dois primeiros anos depois do impedimento da presidente Dilma; uma queda que jogou o Brasil novamente para uma das 10 mais injustas sociedades entre todos os países. E os nossos centros urbanos preferem apartar-se das periferias, com cercas eletrificadas, com muros altos, com cães ferozes, com guardas particulares e com sete chaves, a exemplo do “apartheid” racial da África do Sul que tanto criticávamos; o centro prefere apartar-se da periferia a repartir privilégios historicamente arraigados; prefere agarrar-se aos privilégios a usufruir da paz social.
Não podemos celebrar os 500 Anos da Reforma, se ignoramos essa realidade; não podemos celebrar nada quando fazemos de conta como se esse fosso social não existisse, porque ignorá-lo significa concordar com ele, significa ser cúmplice, significa perpetuá-lo. Não, não existe neutralidade. Não existe celebração neutra. Quem pretende ser neutro já definiu sua posição e já optou pela situação existente, pelo “status quo”; quem pretende ser neutro já se decidiu pela permanência do fosso e vai procurar argumentos para justificá-lo. Não existe celebração neutra, porque a celebração sempre será feita sob a perspectiva de um dos lados do fosso. Os celebrantes sempre estarão identificados com um dos lados. Por isso, quando celebram como cristãos, seguidores do Nazareno que foi pregado à cruz porque optou pelo lado dos excluídos, precisam perguntar de que lado do fosso se posicionam, sob a perspectiva de quais dos dois lados analisam a realidade brasileira e enaltecem os Reformadores. Por esse motivo, as comunidades e os colegas pastores e padres que celebraram ecumenicamente os 500 Anos da Reforma, em várias cidades, fizeram bem quando tomaram posição diante do escandaloso e vergonhoso fosso social que divide brasileiros e brasileiras desde as caravelas de Cabral; fizeram ainda melhor, quando leram o contexto da celebração com os olhos dos vencidos, dos que foram feitos perdedores; quando analisaram a realidade contextual a partir da perspectiva daquele lado do fosso em que vivem as vítimas de uma organização social cruel; uma organização social que os excluídos não ajudaram a formatar, mas sob a qual eles sofrem.

A FÉ DOS REFORMADORES.
A fé dos Reformadores gira totalmente em torno da JUSTIFICAÇÃO POR GRAÇA – “sola gratia”. Eles proclamam que Deus DECLARA-NOS justos por soberana gratuidade e por amor. Não somos justos, mas Deus nos atribui a dignidade de sermos justos. Cabe a nós nada mais do que acolher essa graça com a nossa fé somente – “sola fide”. Qualquer tentativa nossa de produzir obras de merecimento, através de nossas realizações e conquistas, é falta de fé, é falta de confiança na graça de Deus e, portanto, afastamento de Deus, pecado. Esse é, na verdade, o pecado original na visão dos Reformadores: A falta de confiança na graça de Deus. Porque a falta de confiança nos leva a querer produzir méritos próprios para nossa justificação. Méritos, com os quais queremos distinguir-nos daquelas pessoas que julgamos não terem méritos. Portanto, para os Reformadores a “meritocracia” neoliberal é pecado.
Podemos substituir a palavra “justificação” pela palavra “aceitação”. Somos dignos de aceitação porque Deus nos atribui essa dignidade, não porque a conquistamos através da nossa origem, da nossa aparência, da nossa posição social, ou através de qualquer outra realização que nos rendesse méritos; Deus nos ATRIBUI a dignidade de sermos aceitos. Basta aceitá-la em fé. Podemos comparar essa aceitação com a maneira como os pais aceitam a vinda de uma criança. Esperam-na com amor, preparam tudo para acolhê-la bem, alegram-se e recebem-na sem perguntar o que ela realizou para ser aceita com amor. A dignidade para ser acolhida reside no amor dos pais. É o amor dos pais que confere dignidade à criança para ser aceita. A dignidade não reside nas realizações da criança que, afinal, ainda nada realizou. A dignidade das pessoas que nos cercam, e também das pessoas do outro lado do fosso social, não depende das suas realizações, dos seus méritos, mas é atribuída a elas por graça. E essa dignidade é inviolável, como ensina o Evangelho, e como lemos no cabeçalho da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A LIBERDADE CRISTÃ.
A mensagem que anuncia aceitação por graça e fé é notícia libertadora. Ela nos diz que somos aceitos sem a necessidade de realizar qualquer feito para merecer essa aceitação. LIBERDADE! Já não precisamos nos estressar em busca de merecimentos; já não precisamos correr, incessantemente, atrás de medalhas e louros, porque já estamos aceitos. Somos livres. Fomos libertados de nós mesmos, do nosso medo de não sermos dignos de aceitação, de não termos realizado o suficiente, de não sermos suficientemente bons. A graça que acolhemos somente com fé – “sola fide” – liberta-nos de nós mesmos para que possamos voltar-nos aos nossos semelhantes. Desocupados da incessante busca de méritos, desocupados de nós mesmos, temos as duas mãos livres para os nossos semelhantes. Então, a graça de Deus poderá agir em nós como energia divina, no sentido de conferirmos aceitação também aos nossos semelhantes, sejam eles quem forem, sejam quais forem suas limitações, seja qual for sua origem étnica, seja qual for seu tropeço, seja qual for sua situação social. Não sou eu mesmo, então, quem age, quando acolho meu semelhante. É a graça de Deus – o saber-me aceito incondicionalmente – que age em mim. Por outro lado, quando não acolho a graça e aposto nos meus méritos, continuarei correndo atrás deles, e quanto mais acumular méritos, tanto melhor me considerarei (gente do bem). Farei comparações e me considerarei melhor que os meus semelhantes, que desprezarei como menos dignos (ou até matáveis, metralháveis). Julgarei os outros indignos para os direitos que pretensamente cabem a mim, porque os vejo como menos qualificados para os privilégios que eu gozo. Desprezo-os, seja porque tenho um bom emprego e eles não; porque tenho uma caderneta de poupança gorda e eles nem conta tem; porque posso encher até em cima o carrinho do supermercado e consumir mais do que eles; porque sou branco e ele indígena; porque sou homem e ela mulher; porque sou heteroafetivo e ele homoafetivo; porque sou descendente de imigrantes e ele descendente de escravos; seja porque eu tive sucesso e ele fez bancarrota. Quem constrói sua vida sobre os pilares do mérito costuma odiar os pobres, porque considera-os sem méritos, vagabundos. No entanto, todos estamos em nível igual “coram deo”, isto é, aos olhos de Deus, porque “todos pecaram e carecem da graça de Deus – Romanos 3,21-26. Portanto, a fé que confia na graça liberta as pessoas da necessidade de girarem em torno de si e capacita-as, assim, para que possam perceber seu semelhante na situação dele. Liberta-as e, ao mesmo tempo, sujeita-as, como escreveu o Reformador: “Um cristão é um livre senhor sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém” (acrescento: Não estou sujeito nem ao príncipe, nem às tradições, nem aos tabus, nem à moral local, nem ao bispo, nem ao delegado de polícia, nem ao quebra molas, nem à fila de espera, nem ao professor, nem ao “bicho papão, já que minha aceitação não depende deles). Por outro lado, “um cristão é um servidor de todas as coisas e está sujeito a todos, por amor”. Foi libertado pela fé, mas está sujeitado pelo amor, porque vive em sociedade e, por isso, respeita as leis e as autoridades (inclusive o bispo, o quebra molas e a fila de espera), e vai contribuir para o bem da sociedade com todo seu empenho, não mais por obrigação e por causa da lei, não mais por causa da pressão de fora para dentro ou por causa da meritocracia, mas pela vontade espontânea e livre que nasce de dentro para fora. Libertado e livre na fé, sujeita-se no amor. O amor não como produção própria, mas como fruto da graça que age dentro dele.

O PECADO
Para o Reformador Martim Lutero, o maior pecado de todos é querer conquistar aceitação através de méritos, de louros, de realizações, como fez o filho mais velho da conhecida parábola. Uma parábola que fala do pai bondoso e dos seus dois filhos perdidos, e que também é conhecida como “Parábola do Filho Pródigo”, que encontramos em Lucas 15. O filho mais novo, que foi para a cidade, se deu mal e foi parar entre os porcos (deu-se mal como milhões de brasileiros e brasileiras se dão mal, porque migram despreparados para a cidade; porque foram expulsos do campo; porque eram peões de estância, agregados, meeiros, parceiros, posseiros que sobraram quando, a partir de 1964, a terra foi mais uma vez concentrada em vez de ser reoartida. O filho mais novo que se deu mal na cidade, quando volta (talvez como um “sem terra” assentado), é recebido com festa pelo pai. O filho mais velho, no entanto, argumenta com seus méritos, considera-se mais merecedor que seu irmão, não o aceita e distancia-se dele. Ao se distanciar dele, distancia-se do pai (não volta ao pai, do qual sempre esteve geograficamente próximo, mas emocionalmente distante). O filho que continua perdido, portanto, é o irmão mais velho, e a parábola não revela se ele volta ou não. Talvez volte para abraçar o pai e o irmão, mas talvez acabe contratando um jagunço para metralhar o irmão mais novo.
Ouvimos, pois, essa conhecida parábola como alerta, quando corremos atrás de louros e acumulamos méritos; quando nossos pretensos méritos nos fazem cair na tentação de pensar que somos mais merecedores que nossos irmãos; quando caímos na tentação de apontar para a falta de méritos dos nossos semelhantes.

AS DUAS ASAS
Disse o Reformador Lutero que “toda a vida cristã consiste de dois polos: a FÉ que acolhe o amor de Deus e a PRÁTICA que leva esse amor aos semelhantes”. Podemos comparar essa realidade cristã com uma borboleta e seu par de belas asas. Com uma asa somente, a borboleta não consegue levantar voo e nem visitar as flores. Com uma asa somente, também a fé cristã é incompleta e não consegue “levantar voo”.
Devemos ainda acrescentar: Quando o amor – que é a prática da fé – atua na organização da convivência humana (ou seja, na política) ele muda de nome e passa a chamar-se JUSTIÇA SOCIAL. A justiça social é o amor ao próximo que atua na organização da convivência humana, na política. A justiça social que está tão ausente na realidade brasileira, apesar de toda religiosidade, apesar de tantos améns e aleluias, apesar de darmos os nomes de inúmeros santos a prédios, ruas, parques e até a linguiças e manteigas. O amor que muda de nome para justiça social e que pode, com uma única lei, beneficiar milhões de pessoas, assim como sua ausência (injustiça social) poderá arruinar a vida de milhões de pessoas. Por que será que os cristãos e as cristãs não conseguem convencer os políticos brasileiros a darem um significado melhor à sua prática política? Com certeza, porque, muitas vezes, falta à religiosidade de brasileiros e brasileiras uma das asas, a segunda asa, a asa da prática do amor; a prática do amor que quer avançar para além do relacionamento individual, da solidariedade em dias de catástrofe, do assistencialismo dos clubes de serviço; que quer avançar até a área da organização da convivência humana, até a área das decisões políticas, até a área que tem a ver com a atividade sadia da política; a asa da vida cristã que se chama ética social, que se chama justiça social e que vai ter projetos de inclusão social e não projetos de armas que excluem os fracos em favor dos fortes, das pessoas que a si mesmas se atribuem a qualificação de “pessoas do bem.” Não foi à toa que o Reformador Lutero escreveu mais de uma vez aos príncipes para dizer-lhes que servissem seus súditos e não se servissem a si mesmos.

EDUCAÇÃO
Os Reformadores exigiam que ao lado de cada igreja fosse construída uma escola, até que TODAS as crianças de todas as famílias estivessem matriculadas. O Reformador Johannes Brenz, que atuou na cidade de Schwäbisch Hall, quando assumiu os trabalhos, em 1521, ordenou: “Nenhum centavo seja gasto em catedrais e santuários antes que todas as crianças de todas as famílias frequentem as escolas”. Não por acaso, aquela região apresenta, há muitos anos, uma qualidade de vida que conta entre as mais elevadas do mundo. Nos mesmos anos que Johannes Brenz promoveu a construção de escolas, o Brasil iniciava uma economia baseada na escravatura, que durou quase 400 anos. Durante esse longo tempo, somente um ou outro filho (somente rapazes) da Casa Grande era enviado para estudar em Lisboa, Coimbra, Paris. De lá voltava “doutor” (doutor, no mais das vezes, em vida noturna), o que lhe dava créditos de assumir bons empregos públicos para servir a si e seus pares; para elaborar privilégios e penduricalhos que, até os nossos dias, pagamos como “direitos adquiridos”; para realizar as “façanhas que nos sirvam de modelo” e que exaurem os orçamentos públicos, como acontece no Estado do Rio Grande do Sul.

O TRABALHO
Até os dias dos Reformadores, entendia-se que as pessoas podiam servir a Deus somente como clérigos (padres, bispos, freiras, monges) Por isso, o jovem estudante Lutero, quando se assustou com um raio que caiu perto dele, apavorado prometeu: “Ajuda-me Santa Ana, e vou ser monge” (ajuda-me e vou servir a Deus, vou ser uma pessoa boa, vou reunir méritos para merecer aceitação, vou entrar no convento). Mais tarde, ele diria: Cada trabalhador serve a Deus quando faz seu trabalho profissional com dedicação e responsabilidade, porque servirá seu semelhante: O mecânico que faz um bom serviço para evitar acidentes; a professora que educa a criança; o agricultor que produz alimentos; a mulher agricultora, até mesmo quando limpa o estábulo, depois da ordenha de suas vacas; ou a menina que balança o berço para ninar seu irmãozinho. Esses ensinamentos dos Reformadores criaram um conceito novo do trabalho e valorizaram-no sobremaneira. O trabalho passou a ser visto como serviço prestado a Deus, uma vez que é um serviço prestado ao semelhante; passa a ser visto como uma expressão de fé mais valiosa do que qualquer oferta de sacrifícios e tão valiosa como qualquer ritual religioso. Naqueles mesmos anos, os trabalhadores brasileiros (os poucos que eram livres) iam ao trabalho em fatiota e gravata, acompanhados de escravos que levavam as ferramentas. Assim, eles protegiam-se da “vergonha” de serem reconhecidos como trabalhadores braçais, pois o trabalho braçal era visto como humilhante e apropriado para escravos.

ÉTICA
Todos somos limitados. Todos e todas somos sujeitos ao erro. Em outras palavras: “Todos pecamos e carecemos da graça de Deus” – como escreve o Apóstolo Paulo, na sua Carta aos Romanos, 3.21-26. A humildade de reconhecer nossas limitações e, consequentemente, a disposição de depender da graça, essa humildade é o centro da ética dos reformadores. Ela nos diz que todas as pessoas estão no mesmo nível diante de Deus e que elas têm a mesma dignidade (porque se trata de dignidade atribuída e não conquistada); essa humildade de saber-se dependente da graça, assim ensinam os Reformadores, nos diz que nossos semelhantes têm os mesmos direitos que nós, por dependerem também da graça (por serem também limitados, a exemplo dos paralíticos, dos lunáticos, dos endemoninhados, das pessoas acometidas de toda sorte de enfermidades, que Jesus visitou, por primeiro, quando iniciou seus trabalhos na Palestina (Mateus 4. 23-25) – dos fracassados, dos derrotados, dos perdedores, dos desempregados, do Zaqueu que precisou aprender a ser honesto (Lucas 19), das marias madalenas com seus sete demônios (Lucas 8.2). Todas essas pessoas estão no mesmo nível. Todas são iguais em dignidade, porque sua dignidade é atribuída, não conquistada e, quando essa dignidade está soterrada de lama, por causa de erros próprios ou por causa de erros cometidos por outros, cabe-nos desenterrar a dignidade encoberta. Por serem todas iguais em dignidade, as pessoas já não estão divididas, em méritos para aceitação, “nem em gregos e judeus, nem em homens e mulheres, nem em libertos e escravos, uma vez que todos somos um em Cristo Jesus (Gálatas 3.28). E eu acrescento: Já não deveríamos estar divididos, por um lado, em magistrados que merecem gorda Bolsa Moradia em cima dos seus gordos salários, além de aposentadorias múltiplas, com mil penduricalhos e, por outro lado, em mães que foram feitas pobres e são odiadas por causa de uma mísera Bolsa Família.

CORRUPÇÃO – HONESTIDADE
Na primeira das famosas Noventa e Cinco Teses, o Reformador Lutero escreve: “Ao dizer ´Fazei Penitência` nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência”. Portanto, o arrependimento e a penitência são uma espécie de consulta que fazemos a nós mesmos; são uma autoavaliação, sempre renovada; são uma olhada no espelho, à luz da vontade de Deus, que desperta em nós a honestidade de dentro para fora; uma honestidade que é uma postura de vida, muito mais profunda do que um gesto externo; muito mais autêntico do que uma coação da lei que vem de fora para dentro e que alguém cumpre apenas por obrigação e por medo de ser flagrado. Honestidade nascida de arrependimento e penitência é postura de vida, é jeito de ser, brotado de dentro para fora; é conversão e, se necessário, mudança, meia volta, correção de rumo. Na explicação do Sétimo Mandamento – NÃO FURTARÁS – o Reformador explica: “Devemos temer e amar a Deus e, portanto, não tirar os bens do nosso próximo nem nos apoderar deles por meio de mercadorias falsificadas ou negócios fraudulentos (ou pelo modelo neoliberal, acrescento eu), mas devemos ajudá-lo e conservar e melhorar seu meio de vida”

Como podemos ver, a Teologia dos Reformadores, sua fé e sua ética, seus conselhos e ensinamentos são de grande atualidade e podem servir-nos de orientação, seja em nossa vida particular, seja em nossas atividades que beneficiam a coletividade.

Silvio Meincke – outubro de 2017.

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CONIC – E ENTIDADES DISCUTEM COM MAIA SOBRE A CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

https://conic.org.br/portal/noticias/3298-criminalizacao-de-movimentos-sociais-conic-e-entidades-se-reunem-com-maia?fbclid=IwAR0RwFAAzkr10M3KY-lAr3Nix7T48f6swv2NhiEfiQTgzg7IsRyrf7K_RVg

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Semente de Esperança

Você se identifica com a causa das pequenin@s de Deus e com o Deus que se importa com a vida de toda@s? Então, chegou o devocionário que traz uma leitura libertadora e inclusiva, promotora de paz e justiça!
Um verdadeiro trabalho de mutirão! Escrito por leig@s e ministr@s, o Semente de Esperança é fruto de muitas mãos. Mãos que se envolvem na luta ao encontro do Reino de Deus.
Adquira seu devocionário. Assim, terás uma leitura edificante para os 366 dias de fé e de luta em 2020!

Semente que cai e boa terra, no seu coração!
https://literaturaevangelistica.com.br/produto/semente-de-esperanca-2020/
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A RIQUEZA ESTÁ NA DIVERSIDADE

Olho para a mata e vejo seu verde. Chego mais perto, olho novamente, e observo as muitas tonalidades do verde: Vejo a variedade entre o verde que é quase amarelo e o verde que é quase azul. Dou alguns passos e entro na mata. Constato que cada espécie de árvore tem folhas diferentes da outra espécie. Depois, caminho pela mata e descubro que a diversidade de folhas, flores e frutas atrai uma variedade infinita de espécies da fauna e da flora. Fossem todas as árvores iguais, de uma só espécie, e haveria menos vida. Concluo que a diversidade é rica e a uniformidade é pobre.
Médicos e nutricionistas ensinam que nossos pratos são tanto mais saudáveis quanto mais coloridos, porque cada alimento tem seu valor nutritivo próprio. Se nossos alimentos fossem sempre brancos ou sempre marrons, nosso corpo não encontraria a diversidade que necessita para alimentar-se bem. Portanto, nossa mesa é rica quando nossos alimentos são diversificados; e nossa mesa é pobre quando nossos alimentos não variam.
Vejo lavouras de uma única espécie de plantas, até onde minha vista alcança. A manipulação genética e os venenos possibilitam esse tipo de plantação uniforme. Essas lavouras não têm as flores que as abelhas procuram; que as borboletas querem visitar. Essas plantações não acolhem libélulas, nem convidam besouros, nem apreciam o canto dos pássaros e, nas entressafras, com o solo exposto, o sol queima todas as formas de vida. Lavouras de monocultura fazem guerra contra a natureza, porque insistem na uniformidade quando a natureza insiste na diversidade; porque a uniformidade destrói a vida, mas a diversidade promove a vida; porque a uniformidade exclui, mas a diversidade inclui.
Admito: O lucro é necessário. Sem lucro, não haverá produção de alimentos suficientes. Admito também que é necessário criar manejos, instrumentos, e recursos técnicos que facilitam o trabalho duro de arar a terra, de plantar a semente e de colher o alimento. Não por último, admito que as plantas indesejadas devem ser combatidas para evitar que sufoquem as culturas de quem planta e precisa colher. Mas cada planta e cada ser vivo tem sua função no equilíbrio da natureza, e cada espécie tem seu lugar na cadeia de interdependência das múltiplas formas de vida. Por isso, cada espécie eliminada com venenos deixará uma lacuna e fará falta. Além disso, os grandes lucros usufruídos por poucos donos de monoculturas gigantescas não enriquecem a totalidade do povo; e os silos cheios de poucos proprietários não alimentam os estômagos vazios dos muitos famintos: Quando os lucros decidem o que se produz (trigo, soja, milho, carne, algodão, etanol, eucalipto); quando o mercado decide sobre os lucros (o que rende mais no momento); quando os lucros decidem sobre o destino da colheita (exportação ou a mesa das famílias brasileiras).
De tempos em tempos surgem governantes que enaltecem a uniformidade de pessoas e de raças, de culturas e de confissões religiosas, de expressões artísticas e de formas de afeto: Combatem a diversidade, excluem os diferentes, desprezam as minorias, rejeitam o diálogo entre formas de vida e de opiniões diferentes. Hitler queria uma raça ariana pura. Getúlio, durante o Estado Novo, mandava prender quem falasse uma língua que não fosse o português. Nas décadas de 1960/70 permitia-se uma verdade só e somente um passo certo. Mas a vida do povo brasileiro é colorida. Ela é indígena e negra; é luso-brasileira e mestiça, é ítalo brasileira e teuto brasileira com todas as demais variações; é feminina e masculina; é heteroafetiva e homoafetiva. A vida foge da uniformidade porque é mais ampla, mais bela, mais livre, mais variada e mais colorida. As pessoas são diferentes umas das outras, mas elas são todas iguais em seus direitos e seus deveres, e cada uma tem o direito às condições que necessita para desenvolver plenamente sua personalidade e seu potencial. É a diversidade de um povo que constitui sua riqueza, desde que haja projetos de integração que evitam a exclusão. Mais cedo ou mais tarde, a torrente indomável da diversidade romperá as represas da uniformização, porque o colorido enriquece, mas a uniformidade empobrece. E os limites são a Constituição Federal, o Código Penal e o Estado de Direito, jamais o arbítrio deste ou daquele governante.
Silvio Meincke.

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O CHORO E O CLIMA

Tudo indicava que não haveria acordo. Mas no fim de intermináveis debates e negociações, 197 países assinaram. Isso foi na Conferência da ONU sobre as mudanças climáticas, em Paris, em 2015. Finalmente, a humanidade tem um acordo universal para adotar formas de desenvolvimento sustentável, capazes de proteger a natureza e de amenizar o aquecimento global. Por isso, a ministra do meio ambiente da Alemanha chorou de emoção quando pegou a caneta para assinar o acordo.
A meta desse acordo é evitar um aquecimento acima de 2°C e, para que isso seja possível, os países signatários se comprometem em reduzir as emissões de gases-estufa ao nível necessário para tal, até 2030. Sabemos que todos os países ainda estão em dívida diante das metas resumidas nos 17 capítulos da chamada Agenda 2030, mas há muitos países que estão fazendo um esforço gigantesco para cumpri-las.
Infelizmente, Donald Trump, governante do país que mais polui e que mais agride o meio ambiente, rompeu com o acordo, em junho de 2016. Jair Bolsonaro, durante a campanha eleitoral, ameaçava romper também mas, depois de eleito, felizmente desistiu por causa das pressões, tanto internas quanto externas.
Agora, neste fim de setembro, as Nações Unidas realizaram uma Conferência do Clima, de 1 dia, antes do início da sua Assembleia Geral, em Nova York. Estavam inscritos para falar somente os governantes de países que tinham medidas concretas para apresentar: Iniciativas e decisões governamentais sólidas que cumprem as metas da Agenda 2030, entre os quais está o capítulo sobre o meio ambiente e o aquecimento global (redução da emissão de gases, por exemplo no transporte, no ar condicionado, na produção de energia, na indústria, na agricultura, na mineração).
O Brasil confirmou, em Nova York, a má figura que está fazendo, nos últimos meses, aos olhos da Europa e do mundo, porque não mostra determinação para cumprir a responsabilidade enorme que lhe cabe, tendo em vista seu tamanho geográfico, sua concentração no agronegócio e por ter em seu território as maiores selvas tropicais do mundo, a Floresta Amazônica. O governo fez um papel feio, porque não teve o que apresentar, tanto que Bolsonaro não foi convidado para falar. Pior: Quando falou na abertura da Assembleia, no dia seguinte, não foi proativo, não mostrou disposição para buscar soluções conjuntas e coletivas, mas ofendeu outros governantes e fez transparecer o seu “faz de conta referente ao acordo”. Essa postura circula nos meios de comunicação do mundo inteiro e fornece material quente para humoristas e caricaturistas.
Ainda assim, há vários motivos de esperança de que o nosso País cumpra seu papel, independente de quem o governa: 1) O Brasil assumiu compromisso diante das outras nações quando assinou o Acordo de Paris, e esse compromisso pode ser cobrado por elas. 2) O Tratado de Livre Comércio entre União Europeia e Mercosul inclui a cláusula de que o Acordo de Paris seja cumprido. 3) O agronegócio, que tem grande poder eleitoral, vai perder mercado se as metas não forem observadas. 4) As manifestações da juventude, concentradas no movimento “Fridays for Future”, iniciadas pela jovem sueca Greta Thurnberg, vem pressionando governantes do mundo todo para que cumpram as metas, e esse movimento consegue envolver as gerações mais velhas, que não souberam ou não quiseram cuidar do Planeta Terra.
Não temos mais tempo a perder, mas temos esperanças de que os governantes entrem em pânico, como Greta Thunberg deseja.

Silvio Meinke

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MATRÍCULAS ABERTAS PARA ESTUDAR NA ADL EM 2020

Estão abertas as inscrições para jovens e adolescentes que desejam estudar na ADL a partir do ano de 2020. Para ingressar será necessário participar do nosso retiro, que acontecerá nos dias 07 e 08 de dezembro de 2019 ou no dia 22 de janeiro de 2020 (segunda chamada) na ADL, em Serra Pelada (na cidade Afonso Cláudio/ES). Abaixo disponibilizamos algumas orientações que poderão auxiliar na tomada de decisão para estudar na ADL.
Faça a inscrição em: www.adl.org.br/matricula

ww.luteranos.com.br/eventos/espirito-santo-a-belem/matriculas-abertas-para-estudar-na-adl-em-2020

https://www.luteranos.com.br/eventos/espirito-santo-a-belem/matriculas-abertas-para-estudar-na-adl-em-2020

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Encomendas do Semente de Esperança 2020

“O Mutirão da vida é Vida em Mutirão”…

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Mensagem do Encontro Nacional da Pastoral Popular Luterana – 2019

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Encontro Nacional de Formação da PPL 2019

Estamos Reunidos no Encontro Nacional da PPL. Um encontro de formação de lideranças. A formação é fundamental nesses tempos em que a falta de união entre as pessoas conduz a sociedade ao abismo da solidão. Tempos em que muitos julgam que podem salvar sua “própria pátria particular” ou a própria “pele”. E no fim, enfraquecidos, todos sucumbem ao isolamento. Unir forças é preciso, mas não de qualquer jeito. Precisamos nos articular, precisamos de formação para a ação coordenada. Ação que chegue no chão da vida e não se perca no labirinto da comunicação da mídias sociais. Ação que transforme e nos transforme conformes a Cristo. Para isso, reconhecemos o/a irmão/ã que luta ao lado, suas dores, suas penas suas alegrias, seu esperançar dentro e para além da Igreja. Nisto, percebemos o valor do/a companheiro/a e que a sua causa é fundamental. Afinal, nossos caminhos se cruzam na caminhada do Reino de Deus. Nesse sentido, buscamos ter comunhão a partir de nossos sonhos para reafirmar nossas esperanças e somar forças na resistência ao mal que insiste em se se chamar “de bem”.