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Reflexos de um Advento e Natal

 

Nesse advento e Natal me deixei conduzir pela confissão de Maria: “Ele se lembrou de mim, sua humilde serva” (Lc 1.48a)  Não há palavra mais própria do que essa para a época que estamos vivendo. Essa palavra de Maria já havia me marcado, mas esse ano soa de modo bem especial. Não há como ignorar o crescimento da violência física e verbal na nossa sociedade, o aumento significativo do preconceito contra identidade de raça, gênero e situação econômica. Tudo isso alimentado pela meritocracia, eficiência e sobrevivência do mais apto e forte, beirando à bestialidade. Continuamos presenciando as pessoas correndo desesperadamente atrás do mercado religioso, buscando o atendimento de desejos, seduzidos para a superficialidade e banalização de valores, da instrumentalização da Bíblia, do uso de Deus moldado aos desejos de cada um. Nessas condições Deus não é Deus. É simplesmente um ídolo criado a imagem do ser humano. E isto está longe da expressão de fé dada por Maria.

No Advento e Natal esperamos que Deus se manifeste entre nós. Deus vem ao nosso encontro. Não precisamos moldar Deus. Ele é como é. É o tempo para que Deus se mostre a nós como Ele é e como Ele quer ser visto por nós. Lutero já afirmava: para conhecer Deus basta olhar para a vida de Jesus. Ali Deus se revela. Todo o resto é especulação. E tudo que é especulação é desvio de Deus. Assim temos o que precisamos. Essa é a intenção do cântico de Maria. Apontar à comunidade cristã o que importa e o que é central para a vida dela. Maria é aqui cada um e cada uma de nós nesse tempo de espera.

Maria canta para Deus uma canção de louvor e gratidão.  Maria se considera abençoada: “Pois Ele se lembrou de mim, sua humilde serva”. E é isso que Maria é. Deus se lembrou dela. Não conquistou nada, não mereceu nada, não comercializou nada com Deus. Deus simplesmente viu Maria e se lembrou dela. Mãe solteira, jovem, sob o risco de ser abandonada por Jose, seu pretendente. Maria que conseguiu crer no mistério de uma gravidez incomum. Quem vai acreditar nisso? O que não devem ter dito os moralistas e os puritanos de plantão? E o risco de Maria, que poderia ser acusada de adultério e assim ser condenada a pena de apedrejamento? Maria sente-se abençoada, pois vivencia uma experiência de graça e por graça de Deus. Não é algo pelo qual Maria tem que pagar um preço ou o dízimo. Dar para então receber em dobro de Deus, provar a sua fé. Ela não precisa pagar um preço com orações intermináveis, apelativas e sentimentalistas, buscar desesperada pela santificação com hora marcada para a conversão e quem sabe uma experiência espiritual mais forte. A experiência espiritual mais forte de Maria é a notícia de sua gravidez pelo Espírito Santo. Não é uma luta angustiante pela benção que nunca vem. Deus abençoa do seu jeito. Faz Maria sentir-se abençoada e cheia de vida e alegria. Maria expressa a sua fé e confiança em Deus afirmando que é uma serva do Senhor. Diferente de todos que querem manipular Deus, que exigem que aconteça o que desejam.

O cântico de Maria tem fé, louvor, maternidade profética e cidadania. Não é uma mãe tão somente ocupada e preocupada consigo mesma e apenas com o seu futuro filho. É uma mãe que desperta, coloca os olhos no mundo para dentro do qual vai nascer o seu filho. Para esse mundo ela dirige uma palavra profética, uma palavra cheia de esperança e cidadania. Ela tem coragem de dizer a si e ao mundo o que almeja e pelo que luta (Lc 1.51-53). Como mulher oprimida (jovem, grávida e solteira) ela toma o direito de dizer a sua palavra, o direito de pronunciar a sua opinião, seu desejo, seus sonhos, o que faz parte de tudo o que pertence ao sustento e as necessidades da vida. Quem de nós consegue expressar na sua vida tamanha expectativa e novidade de vida, observada e feita uma leitura da realidade de nossa sociedade?

Enquanto muitos esperam receber privilégios e terem atendidos os seus desejos de prosperidade e consumo, Maria assume o papel que Deus lhe dá. Torna-se serva da causa de Deus, profética e portadora de esperanças dos empobrecidos e humildes.

Sejam abençoados os últimos dias de Advento e um comprometido Natal.

Renato Küntzer

Coordenador Nacional da PPL.

 

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Carta de Contagem

Nós, juventudes ecumênicas reunidas no Encontro Nacional “Desafios e possibilidades no cuidado da casa comum” realizado pela Rede Ecumênica da Juventude/REJU e pela Pastoral Popular Luterana/PPL vinculada a da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil/IECLB, entre os dias 12 a 16 de novembro de 2016, emContagem/MG, acreditamos que a oikumene deve expressar os encontros e a convivência entre as diferenças sociais, culturais e religiosas a fim de superar todas as formas de intolerância. Partilhamos, assim, nosso desejo e nossa luta por justiça, igualdade e dignidade a todasas pessoas que habitam essa casa comum tendo em vista a atual conjuntura em nosso país marcada pelo recrudescimento das vi
olações aos mais diversos direitos. Por conta disso, denunciamos:

  • Os casos de desrespeito às pessoas pertencentes às diversas manifestações religiosas e ataques aos seus lugares de culto que acometem principalmente as religiões de matrizes africanas e indígenas;
  • Grupos e setores cristãos que utilizam, de forma descontextualizada e sem diálogo com as diversidades humanas, valores religiosos e narrativas bíblicas para promover um fundamentalismo de cunho político que os permitem disputar e garantir seus lugares em espaços de poder em suas igrejas, na sociedade e nos legislativos e executivos;
  • Às violências contra a pluralidade de identidades de gêneros e sexuais  validadas por uma sociedade patriarcal, machista e misógina;
  • O golpe jurídico-parlamentar cujas decorrentes propostas visam à implementação de politicas motivadas pela sobreposição do interesse na expansão do lucro sobre a dignidade humana e que ameaçam os direitos sociais, humanos, trabalhistas, previdenciários conquistados pela população brasileira com a Constituição de 1988;
  • Às violações do direito à terra e ao território e à soberania alimentar e o genocídio dos povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, campesinos e povos das águas, dos campos e das florestas agenciadas pelos setores do agronegócio, grandes latifundiários e pelos grandes empreendimentos;
  • À PEC 55/2016 que propõe o congelamento por 20 anos nos investimentos do governo federal em diversas áreas e políticas sociais – educação, saúde, benefícios sociais, congelamento do salário mínimo – que atingem diretamente as camadas mais pobres da população brasileira;
  • À proposta de Reforma do Ensino Médio conduzida de forma verticalizada e não dialogada com os setores sociais interessados;
  • O Projeto de Lei denominado Escola sem Partido que tramita no legislativo e propõe que as educações básicas e universitárias deixem de ser pautadas pelo contraditório, pelas divergências de ideias, pela pluralidade e diversidade cultural e, o mais grave, pela laicidade do Estado;
  • A criminalização jurídica, política e midiática dos movimentos sociais e das ocupações nas escolas e nas universidades públicas que protestam de forma legítima e democrática contra as medidas propostas pelo governo Temer como a PEC 55/2016;
  • A impunidade do Grupo Samarco (Vale/BHP), do Governo do Estado de Minas Geral e do Governo Federal responsáveis pelo crime ambiental que matou pessoas e destruiu ecossistemas por completo na região do Vale do Rio Doce, evento que completa um ano;
  • O ataque sofrido pela Pastoral da Juventude da Diocese de Itabira/Coronel Fabriciano por grupos católicos que se opõem a perspectiva do diálogo inter-religioso, na ocasião do Dia Nacional da Juventude/DNJ, ocorrido na cidade de Timóteo/MG;
  • Os diversos casos de abuso sexual e de estupro de jovens, crianças e mulheres que atestam a validade da cultura do estupro em nossa sociedade;
  • A retomada de estereótipos sobre as mulheres e seus corpos para deslegitimar sua participação na política confinando-as novamente ao imaginário de belas, recatadas e do lar validando, assim, diversas formas de violência àquelas que ocupam espaços de decisão e de poder na sociedade;

Diante do nosso testemunho público e nossa prática ecumênica contra essas e tantas outras violências que comprometem uma casa comum de vida plena a todas as pessoas, estabelecemos para nossa agenda nacional no biênio 2017/2018 o “Estado laico e superação das intolerâncias” como questão articuladora dos eixos temáticos que pautarão nossas incidências políticas, a saber: Juventudes, Desenvolvimento e Justiça socioambiental; Juventudes, Sexualidades e Lutas feministas; Juventudes e Democratização da educação e Enfrentamento ao Racismo.

Assumimos assim, um lugar de resistência constante diante de formas homogêneas e fundamentalistas de entender e viver a espiritualidade no contexto atual. Esse lugar implica em disputas de sentidos e de práticas no campo político cotidiano. Também significa vivermos maneiras que evidenciem o amor e a justiça que são os imperativos que movem nossa fé plural e diversa e que alimentam nossa caminhada de luta.  Nessa caminhada conjunta nos reencantamos com novas utopias acreditando que as nossas espiritualidades dançantes transcendem os muros institucionais.

Contagem/MG, 23 de Novembro de 2016.
Rede Ecumênica da Juventude – REJU
Pastoral Popular Luterana –PPL

Apoio:
Fundo Ecumênico de Solidariedade, Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), Fundação Luterana de Diaconia (FLD), Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, Minas Gerais, SOS Corpo.

Parceria:
Zwei Arts, Fernanda Scherer Fotografia e Vídeo

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Graça e Paz a todos e todas.

A Pastoral Popular Luterana está com uma nova equipe de coordenação nacional desde 1º de agosto de 2015. Na condição de coordenador nacional da PPL, me dirijo a vocês por meio desse texto de motivação e de apresentação da PPL. Percebo uma tarefa enorme na condição de coordenador. A PPL tem uma história longa, rica e responsável em relação ao Evangelho de Jesus Cristo. A PPL continua sendo atual e necessária. Por isto seguem algumas reflexões acerca de como palpita o meu coração quando, agora, redescubro e revisito a PPL. Posso afirmar que:

Somos um movimento primeiramente pastoral. O espaço privilegiado é a vida cotidiana, o chão batido, a realidade das pessoas. Está associada às demandas do contexto, que necessitam ser corretamente compreendidas. Então tem a prerrogativa de responder as demandas que a realidade lhe apresenta. Portanto como pastoral, necessitamos estar inseridos na realidade cotidiana e em função dessa realidade, dar um sentido e um testemunho de esperança. Nossa atuação pastoral se dá em favor do/a oprimido/a para que se aproprie do direito de ser protagonista na sociedade. As nossas raízes pastorais estão na teologia da libertação e ela nos tem sido um ótimo instrumento na oração, na leitura e interpretação bíblica e no serviço comunitário.

Somos uma pastoral inserida e atuante no meio popular. Essa é a realidade que a pastoral frequenta. É uma pastoral que visita a diversidade de vozes que hoje se manifestam contra a economia especulativa, as injustiças sociais, o mercado da fé e a intolerância étnica e religiosa. É popular porque ouve, acolhe e se solidariza com a diversidade de vozes que desejam uma sociedade democrática, que respeita os direitos humanos e dialoga com outros a respeito de assuntos de ordem socioeconômica e religiosa. Entende que ninguém é detentor da verdade única, mas que o âmbito popular nos proporciona a diversidade de tensões, visões, esperanças e ações. Lá queremos estar e participar. Mas não esquecemos o que nos é próprio e particular. O nosso jeito de ser, de crer e de viver a boa notícia do Reino de Deus.

Somos uma pastoral popular luterana. Somos luteranos e luteranas. Dentro da diversidade, a confessionalidade luterana é a nossa identidade. É que temos de mais próprio, só nosso. No meio e entre os outros, o jeito luterano de ser e crer é o que nos dá uma identidade própria. É o ritmo, só nosso, com que bate o coração e pulsa a nossa vida quando se trata de viver a fé e praticar a justiça. Quando falamos a partir da nossa confessionalidade, somos mais uma voz na pluralidade de vozes. Mas trata-se de uma voz clara, corajosa, solidaria, sóbria e profética. Quando nossa voz se faz ouvir não é pretensiosa a ponto de querer falar pela totalidade. Do nosso jeito de ser não conseguimos atender nem contemplar todas as questões que hoje palpitam e necessitam da presença da Igreja. Por isto somos parceiros e aliados de tantos outros irmãos e irmãs, diferentes de nós no seu jeito de falar, celebrar e viver sua fé. Isto não nos torna adversários nem inimigos. Antes nos aproxima, pois na diversidade encontramos encantamento e o/a outro/a se torna companheiro/a da caminhada e de luta pela dignidade de vida de toda a humanidade e da criação de Deus.

Estamos dando continuidade a caminhada histórica da PPL. Ela foi e continua sendo importante para muitas pessoas da IECLB e também fora dela, no meio ecumênico e popular. Queremos continuar dando a nossa contribuição na vivencia da fé em nossas comunidades, na inserção nos movimentos sociais e populares, no anuncio libertador do evangelho mediante a superação de toda forma de intolerâncias e preconceitos.

A Pastoral Popular Luterana está muito viva e disposta a exercer o seu papel de denúncia e anúncio, correspondendo assim ao chamado de Jesus Cristo.

Pela Coordenação Nacional da PPL
P. Renato Küntzer