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Deus, um cabo eleitoral?

 

“Não abuse do nome do Senhor, seu Deus, porque o Senhor não considerará inocente quem abusar do seu nome. ”

Manifestação da Coordenação Nacional da PPL – Pastoral Popular Luterana

A Pastoral Popular Luterana, reafirmando seu compromisso histórico com a democracia e com os valores do Reino anunciado por Jesus Cristo e diante da situação política atual, sente-se convocada a se manifestar.

As fundamentações dos votos de deputados e deputadas que levaram a decisão majoritária na Câmara Federal sobre a admissibilidade da abertura do processo de impeachment da Presidenta Dilma, no domingo, 17/04, revelou que as posições políticas de deputados/as evangélicos/as devem ser olhadas com muita preocupação. Ficou claro o fato de que um determinado fundamentalismo religioso ameaça cada vez mais a democracia brasileira, conquistada com tantas lutas sociais. É disso que se trata e a PPL quer vir a público denunciar um modo equivocado de fazer política e de se posicionar politicamente.

Sobriamente e antes de manifestar o seu voto, um deputado questionou se o uso do nome de Deus não estava sendo tomado em vão. Não consta que este senhor estivesse ali para defender qualquer comunidade religiosa. O que se viu no domingo foi um espetáculo da insensatez, do uso descarado do microfone e da TV para falar a eleitores distantes e desinformados sobre um assunto que a maioria nem tratou com a seriedade que merece em um país com mais de 200 milhões de habitantes e com mais de 140 milhões de eleitores. O uso do nome de Deus no domingo – na verdade – foi uma franca desobediência ao segundo mandamento da lei judaica, assumido com os demais na doutrina cristã. Além de tomar o nome de Deus em vão, a referência a uma divindade num espaço político leva à confusão entre Religião e Política, entre a manifestação da fé e o difícil exercício do governo democrático de uma sociedade. Quando isto acontece, rompemos com o princípio de laicidade do Estado, que é a garantia da liberdade religiosa para as pessoas e comunidades de fé, mas também para quem não professa fé alguma. Tal princípio foi conquistado com muitas lutas, e ele consta da Constituição Federal Brasileira de 1988, hoje ameaçada em muitos de seus artigos pela onda de retrocessos já em curso e que se antevê no futuro próximo, a continuar o que se viu no domingo à noite.

Outro grande perigo que as tendências fundamentalistas evangélicas apresentam é a instrumentalização da religião pela política, a partir de um uso manipulado de textos bíblicos fora de seu contexto e em franca contradição com aspectos centrais da mensagem de Jesus. Quando as religiões perdem a sua transcendência, elas se transformam em política. O pior é que a ação política em questão é das mais mesquinhas e clientelistas que se tem visto na história da democracia do Brasil,  sem qualquer fundamento legal, crítico e cidadão. É isto o que se pôde ver na manifestação de votos de muitos/as dos/as deputados e deputadas. Tendências religiosas que se mascaram em partidos políticos, desvirtuando o sentido da política em nome de um suposto deus, que nada mais é do que ídolo, na verdade conspiram contra o regime democrático e envergonham a nação. É o que se viu em grandes jornais do exterior no dia 18/4, estupefatos com o que aconteceu no Brasil. O absurdo político chega ao ponto de um deputado que é homem réu no Supremo Tribunal Federal por corrupção, o Sr. Eduardo Cunha, que mentiu na Câmara escondendo suas contas nos bancos da Suíça, ser quem presidiu uma sessão histórica em que se votava pela admissibilidade da abertura do processo de impeachment da Presidenta Dilma – contra quem não há uma acusação sequer de corrupção – e, quando do seu voto, disse: “que deus tenha misericórdia dessa Nação”, fazendo, também, uso pervertido do nome de Deus.

Assim, estamos correndo o risco de distorcer a política e a própria religião. Ambas perdem a sua especificidade numa zona cinzenta onde interesses não manifestos escondem projetos contra a democracia. Junto com o uso falso do nome de Deus, tivemos de ouvir um deputado defender a Ditadura de 1964 e elogiar um coronel muito conhecido pelas torturas que praticou contra presos/as políticos/as nos anos duros da repressão militar. Os princípios cristãos condenam firmemente as pautas defendidas por tal discurso. Que mais haveremos de ouvir nos próximos meses? Que atitudes devemos tomar diante desses fatos, antes que seja tarde?

Conta-se que na Alemanha governada por Adolf Hitler e já em plena perseguição de judeus, ciganos, pessoas com deficiência mental e homossexuais, o Pastor Martin Niemöller teria dito o seguinte: “Quando os nazistas buscaram os comunistas, eu silenciei; afinal, eu não era comunista. Quando eles trancafiaram os socialdemocratas, eu me calei, já que eu não era socialdemocrata. Quando vieram atrás dos sindicalistas, eu não protestei, pois não era um sindicalista. Quando eles vieram recolher os judeus, também não protestei, visto que também não era judeu. Quando vieram me buscar, não havia mais ninguém para protestar” (Revista Novolhar, jan-março, 2016).

Felizmente Deus é Deus e não se deixa manipular em sua liberdade absoluta. Quem o usa como cabo eleitoral se equivoca seguindo um ídolo, frutos de seus desejos e projetos pessoais. Além do mais, o uso em vão do nome de Deus revela hipocrisia e incompetência política. A dimensão sagrada da política em favor das pessoas excluídas e das políticas públicas ameaçadas não depende de discurso religioso.

Parafraseando o teólogo alemão Wilhelm Brandt, a mensagem fundamental de Jesus não depende do sucesso do momento e não é desmentida pelo insucesso. Só políticos ilegítimos buscam legitimidade religiosa.

Por fim, deverá fazer parte dos movimentos de rua que certamente tomarão as cidades brasileiras nos próximos meses estabelecer claramente a distinção feita por Jesus diante da moeda do império romano: dar a César o que é de César, mas a Deus o que é de Deus. A imagem de César exigia obediência absoluta ao político, o que é uma distorção da sua tarefa pública de governar para o bem da sociedade. Por isto é que – para a PPL – o uso manipulado da linguagem religiosa na política (grotesca como se viu!) é um desserviço à causa do evangelho. Daí a necessidade de distinguir bem as duas linguagens para o bem da liberdade democrática, ameaçada por políticos que ousam esconder sua incompetência com o apelo à divindade como cabo eleitoral, fazendo dela um ídolo da opressão.

Pela paz e pela democracia, por um Estado laico. Por uma Igreja profética e samaritana, animada pelo anúncio do profeta Amós (5.24) de que também na sociedade brasileira  “haja tanta justiça como as águas de uma enchente e que a honestidade seja como um rio que não para de correr.”

Palmitos/SC, 21 de abril de 2016.

Coordenação Nacional da PPL

3 respostas em “Deus, um cabo eleitoral?”

Parabéns a PPL por este manifesto neste momento tao importante de nosso país. A nossa jovem DEMOCRACIA está amaeacada. O mais triste é que muitos deputados para darem o seu voto favorável ao impeachment usaram em vao o nome de Deus. Deus, proclamado pelos profetas e por Jesus de Nazaré, da justica e da paz nao se deixa manipular. Deus nao compactua com a mentira e a corrupcao. Afirmo que estes deputados, muitos que se dizem evangélicos, nao representam a teologia Protestante e tampouco muitos homens e muitas mulheres de confissao protestante. Queremos sim que toda a corrupcao em nosso país seja investigada. Nao compactuamos com mentira, com o golpe midiatico, onde o espetáculo parece ter tomado o lugar da razao. Nao compactuamos com a violencia de gênero que se mostrou de forma escancarada na Camara de Vereadores. A falta de educacao à presidenta do Brasil mostrou todo o machismo e patriarcalismo presente em nosso país.
Obrigada Pastoral Popular Luterana por assumir o papel PROTESTANTE, isto é, de protestar contra o ataque à Democracia. Ser Luterana e luterano é nao se conformar com este século, mas lutar por um mundo de igualdade para todas as pessoas. Obrigada por esta declaracao. Sim, queremos um BRASIL igualitário, justo, democrático, laico, sem intolerancia religiosa, cultural, étnica.
“Pela paz e pela democracia, por um Estado laico. Por uma Igreja profética e samaritana, animada pelo anuncio do profeta Amós (5.24) de que também na sociedade brasileira “haja tanta justiça como as águas de uma enchente e que a honestidade seja como um rio que não para de correr.”

Obrigada PPL por declarar os anseios que palpitam em meu coracao e no coracao, com toda a certeza, de muitas pessoas.

CUIDADO COM OS ALIADOS
O julgamento público, pela Câmara dos Deputados realizado no domingo dia 17 de abril de 2016 trouxe alguns fatos bem folclóricos. Afora a raridade de a Câmara funcionar em dia de domingo, o que mais chamou a atenção do Brasil todo que assistia ao vivo pela televisão foram as “justificativas” apresentadas pelos deputados para seus votos. Houve patriotadas, declarações de amor aos filhos, homenagens aos pais, agressões verbais, ironias e até orações. O ridículo ficou por conta de má educação demonstrada por aqueles que deveriam primar por ela. O povo brasileiro paga caríssimo pelas poltronas e pelo sistema de som da casa. Contudo, nenhum deputado ficou em seu lugar, preferindo os holofotes do voto em pé, ao lado de torcedores com cartazes de diversos tipos. Foi a parte feia do processo.
Porém, o que chamou a atenção foi a ridícula “dedicatória” feita pelo deputado Jair Bolsonaro ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. O deputado, conhecido defensor do período militar, poderia muito bem ter poupado ao povo a homenagem a quem representava os porões daquele período. A presidente Dilma foi derrotada, como o queria o povo brasileiro. Contudo, poucos, muito poucos estão pedindo a volta dos militares, assim como menos ainda querem o comunismo. Homenagear um torturador, embora alguns afirmem que a história o tenha injustiçado, é uma tentativa tola de querer aproximar aos que combatem a corrupção com a aprovação dos métodos rejeitados pela história, pelo bom senso e pelo espírito de humanidade.
O candidato atrai eleitores com os quais tem linhas divergentes. Da mesma forma, o eleitor pode ser iludido com a maneira como um candidato é apresentado e frustrar-se mais adiante. Fazer uma aliança com pessoas que num determinado momento têm um objetivo comum pode se tornar perigoso no futuro. O deputado Jair Bolsonaro só tem mesmo a virtude de deixar que todos saibam como ele pensa. A maneira como “justificou” seu voto fez com que até esta virtude se transformasse em vilania. Também merecem repúdio os que exaltaram Marighela e Fidel Castro. Continua sendo uma discrepância o governo ter criado uma Comissão da “Verdade”, para condenar militares por crimes cometidos há mais de trinta anos no Brasil e, lá fora, ainda nos dias atuais apoie governos muito piores que os que ocuparam o Brasil por 21 longos anos.
O amadurecimento da democracia no Brasil está acontecendo e deu demonstrações disso neste domingo. Nem deputados, nem o povo que assistiu criou qualquer admiração extra pelo comandante do impeachment, o também corrupto Eduardo Cunha. Todos têm consciência que este é apenas o processo inicial e que Renan Calheiros, presidente do Senado, Michel Temer, vice presidente e o próprio Cunha precisam ser defenestrados. Caminhar lado a lado com esses por um curto trecho não pode e não deve significar aliança com eles. Embora o governo tenha apresentado desta forma, o povo soube mostrar que não foi nada disso.
Se é verdade que a Presidente da República foi eleita com cinquenta e quatro milhões de votos, embora hoje se comprove que muitos deles conseguidos com dinheiro roubado, também é verdade que a soma dos votos dos deputados que a estão depondo não fica muito aquém disso. Alianças de dois anos atrás estão desmoronando. Novas serão criadas. Precisam ser permanentes? Depende do afinamento daqui pra frente. A democracia está amadurecendo. Quem não se deu conta disso, pode ter uma trajetória política curta.

Amigas e amigos da PPL,

Concordo com a colega Claudete. Esta manifestação vem em boa hora, pois o que está acontecendo no país é um franco retrocesso em todos os sentidos. Mas que a política institucional esteja sendo manejada por este tipo de políticos e defendendo as ideias (?) expressadas no domingo 17/4 é ainda muito pior, mais grave. Pensávamos que depois da Constituição Cidadã de 1988, e depois de anos de governos com um viés mais popular, teríamos avançado em nossa demcracia. Mas não é o que se vê. A luta democrática deverá ser retomada em todas as frentes a partir de agora. E as comunidades cristãs tem um papel muito importante ao defenderem as pessoas mais vulneráveis, a justiça, a liberdade e a paz. Penso que eleitores e elitoras que votarão em outubro para as Câmaras de Vereadores e para prefeitos/as deverão frazer um grande exercício de avaliação antes de elegerem pessoas como aquelas que – no trágico 17/4 – usaram o nome de Deus em vão para esconderem sua incompetência, sua ignorância e servilismo ao sistema econômico e financeiro que não permite mudanças profundas na desigualdade e injustiças que caracterizam a sociedade brasileira.
Abraço e minha solidariedade, gente amiga da PPL.
Roberto Zwetsch – professor – Faculdades EST – São Leooldo, RS

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