“Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos e filhas de Deus. Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus”. Mateus 5.9s Amigas e amigos, companheiras e companheiros, Na noite de 3 de setembro de 2021 realizamos a 24a Assembleia Nacional, um evento histórico da PPL. Pela primeira vez ela ocorreu de forma remota, on-line, algo que até então não conhecíamos com esta amplitude. Quase 40 pessoas estiveram conectadas por mais de duas honras, reafirmando nosso compromisso pastoral, social e ético. Outro motivo histórico é que a realizamos em meio a maior pandemia que surgiu no mundo e especialmente neste pobre país, governado por gente insana, perversa e ignorante de tudo o que é público, defesa de direitos sociais, de preservação ambiental. Assim, chamamos o nosso evento de “Assembleia da Pandemia da Covid-19” da qual saímos com a tarefa e as palavras de ordem: VACINA E VIDA PARA TODAS AS PESSOAS! Para a PPL estas palavras concretizam nosso lema: Fé – Testemunho – Ação, que simbolicamente estão representadas nas três pétalas de nosso logotipo, em cores vermelha, azul e verde. Para pós, uma fé viva só se realiza em atos concretos, visíveis e que transformam. Esses atos começam na leitura orante da bíblia, na oração de entrega da vida e dos nossos talentos a quem é maior do que nós, na articulação com os movimentos socias e na formulação e prática de projetos que unem as pessoas em torno do evangelho vivido, encarnado, espiritualmente libertador e concretamente transformador de situações de morte em situações de VIDA. Temos clareza de que somos uma pastoral. O espaço privilegiado é a vida cotidiana, o chão batido, a realidade das pessoas na qual o bom pastor cuida de suas ovelhas e vai adiante delas, chamando-nos para a caminhada: “Não tenham medo!” Portanto como pastoral, necessitamos estar inseridos na realidade cotidiana e, em função dessa realidade, dar um sentido e testemunho claro, fidedigno, de esperança. Nossas raízes pastorais estão fincadas no estudo da mensagem bíblica, na teologia da cruz de Lutero e na teologia da libertação. É este amálgama teológico e espiritual que nos oferece um embasamento firme para a oração pessoal e comunitária, a espiritualidade do caminho, a leitura e interpretação bíblica encarnadas e o serviço comunitário transformador. Somos uma pastoral popular. Esse é o espaço e a realidade que a pastoral frequenta. É uma pastoral que visita a diversidade de vozes que hoje se manifestam contra a economia especulativa, as injustiças sociais, o mercado da fé, a intolerância étnica e religiosa e o sacrifício humano de mais de 580 mil pessoas falecidas devido à Covid-19 e à inépcia do governo federal e o Ministério da Saúde. A PPL entende que ninguém é detentor da verdade única, mas que o âmbito popular nos proporciona a diversidade de tensões, visões, esperanças e ações que nos fazem caminhar para outro mundo possível. Lá queremos estar presentes e participar. Somos uma pastoral popular luterana. Somos vinculados pela fé à vivência dessa fé que liberta por graça e amor incondicional do Deus vivo que se fez gente em Jesus de Nazaré. É o que temos de mais próprio, mas bem por isso que desejamos repartir com quem caminha conosco. No meio e entre outros e outras, o jeito luterano de ser e crer é o que nos dá uma identidade própria. É este o ritmo com que bate o coração e pulsa a nossa vida quando se trata de viver a fé e praticar a justiça. Quando nossa voz se faz ouvir, não é pretensiosa a ponto de querer falar pela totalidade. Do nosso jeito de ser não conseguimos atender nem contemplar todas as questões que hoje palpitam e necessitam da presença da Igreja. Bem por isso somos parceiros e aliados de tantos outros irmãos e irmãs, diferentes de nós no seu jeito de falar, celebrar e viver sua fé. Antes, isto nos aproxima, pois na diversidade encontramos encantamento e a outra pessoa ou grupo se tornam companheiro/a de caminhada e de luta pela dignidade de vida de toda a humanidade e da criação de Deus. Num momento dramático como o que vivemos no Brasil, manifestamos nossa total solidariedade com as famílias enlutadas, com aqueles e aquelas que – nas ruas – gritam por VIDA, por JUSTIÇA, por DEMOCRACIA, por DIREITOS HUMANOS e por LIBERDADE ANTES QUE SEJA TARDE!
Coordenação Nacional da PPL Pastoral Popular Luterana Rua Humaitá, 1030 – Bairro Bortolanza (Morro das Antenas) – 89887-000 Palmitos, SC (55) 9710 1990 http://pastoral.org.br/
“Minha preocupação é com aquelas formas de soberania cujo projeto central não é a luta pela autonomia, mas ‘a instrumentalização generalizada da existência humana e a destruição material dos corpos humanos e populações’”. Achille Mbembe, filósofo camaronês
Amigas e amigos, companheiras e companheiros de fé e caminhada, No último 19 de Junho o Brasil ultrapassou as 500 mil pessoas mortas pelo Covid-19, uma marca terrível, um verdadeiro horror se levarmos em conta as milhões de pessoas enlutadas que choram essa perda irreparável. Difícil encontrar palavras que nos consolem, que nos ajudem a elaborar tanto luto, tanta perda, tanta ausência, tanta dor, tanto desamparo. Já temos entre nós uma infindável lista de crianças órfãs, de famílias destroçadas, de amores rompidos irremediavelmente. E, no entanto, como uma pastoral da esperança, a PPL não pode se calar. Primeiro, cabe dizer e reafirmar nossa total solidariedade com as famílias que choram em todo o país, mas também nas comunidades da IECLB. Irmãs e irmãos de fé, colegas de ministério, lideranças e pessoas colaboradoras perderam a vida. É experiência desconcertante e destruidora da comunhão. Por isto não pode ficar perdida em nossas rotinas. Precisamos fazer memória dessas pessoas, escrever e registrar seus nomes em nossas vidas, livros de registro, celebrações. No dia 22 de junho, em Porto Alegre, entidades ecumênicas e inter-religiosas se manifestaram colocando na Praça da Redenção 500 velas para registrar este momento de LUTO coletivo e nacional. Também na igreja temos de repetir o gesto, abrindo espaço comunitário para a memória, a oração e o canto consolador, como fez uma das comunidades de Joinville quando chegamos aos 300 mil mortos. Isto vai nos ajudar na elaboração do luto. Será um momento de reafirmar a nossa fé e a nossa decisão de lutar pela vida das pessoas, de lutar por vacina para todo o povo brasileiro. Esta luta é de todas as pessoas que se confessam testemunhas da ressurreição! Nada pode justificar neste momento trágico da vida nacional a nossa omissão. Segundo, nesses tempos sombrios em que um governo aposta na morte e no desprezo por sua gente, confirma-se o que A. Mbembe, o filósofo camaronês que formulou o conceito da necropolítica, a política da morte, afirmou na citação acima: quando um governo de um país decide deliberadamente desprezar medidas como providenciar em tempo vacina para toda sua população, defender o distanciamento social e promover o uso da máscara, medidas que poderiam salvar muitas vidas, chegamos a uma situação-limite: não é justo, não é razoável, não é admissível suportar um governo inepto, iníquo, ímpio. Toda impiedade tem limites. Este limite chegou. Terceiro, o que se pode esperar de comunidades de fé que proclamam a vida plena que Deus nos oferece gratuitamente em Jesus, o Cristo? Se Jesus é a “Vida do Mundo” (O povo canta, 158s) como afirma a bela canção que o reverendo anglicano Jaci Maraschin nos legou faz tempo, Deus espera de nós que defendamos a vida em todas as suas dimensões. Hoje no Brasil, isto significa: a) vacina para todas as pessoas e o mais rápido possível; b) garantia de um auxílio emergencial que garanta o mínimo para as mais de 15 milhões de pessoas desempregadas e suas famílias; c) campanhas massivas para uso de máscaras, restrições severas à circulação de pessoas, apoio a pequenas e médias empresas, garantia de crédito para a agricultura familiar e produção de alimentos; d) defesa intransigente aos povos e territórios indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Quarto, de uma comunidade cristã se espera também ações de solidariedade, de apoio, de consolação nos momentos mais trágicos. Muitas comunidades evangélico-luteranas têm demonstrado este carisma. Precisamos apoiá-las, reforçar suas ações e incentivar medidas concretas de garantia da vida e da saúde das pessoas, especialmente as mais vulneráveis. De forma surpreendente, vamos descobrir que – nesse caminho – o Deus de toda a graça, compassivo e cheio de misericórdia estará conosco e até mesmo nos esperando junto às pessoas de quem nos aproximamos. Como afirmou o Salmo 92, os ímpios podem brotar como erva do campo e suas políticas podem florescer como flores que matam, mas irão perecer! Serão destruídos, mais dia, menos dia. Ora, o Deus da Paz é também o Deus da Justiça. Que este Deus nos cubra com sua graça e bênção!
A Rede Amigas e Amigos do Parque vai promover uma semana comemorativa com eventos virtuais para valorizar o parque e chamar atenção sobre sua importância, ameaças e desafios. Neste vídeo 🎥 que lançamos hoje você terá um gostinho do que está por vir…
Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade (Efésios 2,4)
09 de fevereiro de 2021.
À Diretoria do CONIC A/c Pastor Inácio Lemke À Secretária Executiva Pastora Romi M. Bencke
Colegas de Ministério.
Saudamos vocês com o abraço fraterno em nome da Pastoral Popular Luterana, da IECLB. Sempre fomos incentivadores, animadores e divulgadores das Campanhas da Fraternidade Ecumênicas. As CFE foram decididamente uma voz firme em favor da unidade cristã como resposta ao chamado feito por Jesus de Nazaré e do Evangelho frente à realidade particular de cada Igreja e da conjuntura do país. A CFE-2021 nos parece especialmente importante pelos assuntos que o seu tema propõe, nesse tempo e enfrentamento à pandemia e ao distanciamento social responsável que praticamos.
Sabemos, e já experimentamos como pastoral popular, que a caminhada ecumênica é feita com muitos empecilhos e obstáculos que outros segmentos cristãos colocam, algumas vezes de forma crítica e outras vezes de forma agressiva e vulgar. Isso nunca nos fez desanimar e perder o foco ecumênico.
A PPL sempre atuou para o fortalecimento ecumênico dentro da IECLB e em suas comunidades, bem como para fora dela em suas parcerias com outras igrejas e movimentos sociais. Por isso, neste momento em que a CFE-2021 e o CONIC estão sendo atacados de forma agressiva e até leviana, em certos casos, por setores que desconhecem o ecumenismo e sua razão de ser e – com isso – alastrando cizânia em meio às Igrejas, comunidades de fé e à sociedade, vimos nos solidarizar com o CONIC e a CFE-2021. Vamos trabalhar mais ainda na divulgação da Campanha, nas suas propostas de estudo, sendo responsáveis e comprometidos com os estudos do tema, na defesa do ecumenismo e da presença imprescindível do CONIC com sua voz profética em meio a atual realidade brasileira.
“E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória” (João 1.14)
Amigas e amigos,
Em 2020, inevitavelmente, vamos comemorar o Natal do menino Jesus de uma maneira muito diferente. Sim, é boa notícia de grande alegria que Deus venha até nós dessa forma tão humana, tão frágil, tão humilde, tão sem brilho, sem poder, sem aparência externa de glória e riqueza.
Neste Natal, porém, vivemos um momento trágico no país e no mundo. Há muito sofrimento ao nosso redor, muita morte e luto, muita incerteza e dúvidas sobre o que virá no ano que logo vai se iniciar. Como festejar então? Como manter a alegria do Natal, sem nos tornarmos insensíveis ou cínicos?
Cada pessoa, cada comunidade, cada grupo familiar vai dar sua resposta neste ano. E certamente vamos aprender muito, como já aconteceu durante esses últimos meses, desde março, quando a primeira pessoa faleceu no país devido à Covid-19.
Vamos nos compenetrar de que a vida está em grande perigo no país e no mundo. As vacinas em estudo e que logo estarão sendo aplicadas – assim esperamos – não serão a salvação. Disto temos que nos conscientizar. Pois, por muitos meses ainda teremos de manter os cuidados necessários para garantir a nossa saúde e a saúde das pessoas com quem convivemos e com quem repartimos vida, trabalho, estudo e futuro.
Assim, precisamos manter nossa vigilância fraterna e cidadã, sem perder o espírito do Natal que nos chega num momento tão difícil. Deus não se esqueceu de nós nem de nossa gente. Ele vem e vai nos levantar deste chão de lágrimas para que possamos compartilhar amor, cuidado, justiça e esperança.
A oração que segue vem do reformador Martim Lutero, que novamente serve para nos consolar e fortalecer, desde nossas fraquezas, sonhos e esperanças:
Ah, Senhor, Criador de todas as coisas, Como pudeste te tornar tão pequeno e estar ali Deitado sobre o capim, alimento de boi e de burro? Foi isto que te agradou: Mostrar-me esta verdade, que todo poder, honra e riqueza Do mundo não tem nenhum valor diante de ti E não servem para nada. [Amém] – Martim Lutero
Neste espírito de Cristo, recebam a Paz que excede todo entendimento!
Amigos e amigas de caminhada, Queremos compartilhar com vocês a oração formulada pelo Jesuíta Luís Espinal (*). É uma oração que vem do meio das lutas populares na Bolívia. Senhor, Existem cristãos mudos, que, Enquanto não se mexe com eles, Ficam tranquilos, por mais que o mundo se arrebente. Não protestam contra as injustiças, Porque estão escravizados e foram seduzidos, Comprados pelo medo ou pelo oportunismo. Outros, porque nada têm como serviço. Para eles a fé é uma coisa, Que nada tem a ver com a vida; Vale só das nuvens para cima … Nós te pedimos, Senhor, Pelos cristãos que estão em silêncio; Que tua palavra lhes queime as entranhas E os faça superar sua indiferença. Que não se calem como se nada tivessem a dizer. Senhor, sabes o que convém à tua Igreja, Se um fervor de catacumbas Ou a rotina de uma proteção oficial. Dá-lhe o que seja melhor, Ainda que seja a perseguição ou a pobreza. Livra-nos do silêncio daquele que “boceja” Diante da injustiça Livra-nos do silêncio prudente Para não nos comprometer. Receamos ter limitado teu evangelho; Agora já não tem mais arestas, nem espanta ninguém; Temos pretendido convencer-nos Que tudo é possível e tudo é permitido,
Servir a ti, privilegiar a si próprio e ignorar o próximo. Senhor, Livra a tua Igreja do desejo de ser igual a tudo, Que não pareça uma sociedade a mais Com seus donos, acionistas, Privilégios, profissionais e burocratas. Que tua Igreja nunca seja muda e cega Uma vez que ela é instrumento da tua palavra Que prega livremente Sem rodeios nem covardias Que jamais se cale diante dos que se escondem debaixo de peles de ovelha Nem daqueles que se portam como lobos famintos. Amém.
Ainda nos encontramos sob os cuidados necessários para enfrentar a Covid-19, solidários aos familiares das mais de 155 mil vítimas e indignados pela postura omissa, negacionista e indiferente de parcela da população. O que nos anima é que estamos no mês da Reforma e somos contagiados pelo espírito protestante. Não nos eximimos de dar o nosso testemunho confessional como uma contribuição na diversidade de confissões cristã e religiosas nesse país. Reafirmamos o nosso serviço profético, pastoral e diaconal identificados com a cruz de Jesus de Nazaré. Que Deus nos ajude a manter a dignidade, a verdade e a sobriedade, na firme esperança da vida plena da promessa de Jesus. Coordenação Nacional da PPL
(*) Tradução livre da oração de Luís Espinal Camps, padre jesuíta espanhol, naturalizado boliviano em 1970. Nasceu em San Fructuoso de Bages, Espanha, em 1932. Em 08/08/1968, chegou como missionário na Bolívia. Mártir da igreja na Bolívia, foi assassinado em 21 de março de 1980, na cidade de La Paz, Bolívia, por sua luta em solidariedade com os mais pobres daquele país.
Ai dos que ao mal chamam bem; que fazem da escuridão luz, e da luz escuridão; põem o amargo por doce e o doce, por amargo! Ai dos que são sábios a seus próprios olhos e prudentes em seu próprio conceito! Ai dos que são heróis para beber vinho e valentes para misturar bebida forte, os quais por suborno justificam o perverso e ao justo negam justiça! Isaías 5.20ss Amigas e amigos da caminhada, 1. A vida está em perigo no Brasil. A vida das pessoas, dos povos da floresta, dos animais e das plantas, das matas, dos rios, do ar. Vivemos uma crise socioambiental sem precedentes no Brasil e que – na verdade – atinge toda a Casa Comum, a Pachamama dos povos andinos, a Terra sem males dos povos Guarani. É o planeta que hoje sofre as consequências das políticas genocidas do sistema que domina o mundo. Estas políticas são sustentadas pelo sistema econômico, que está nas mãos de menos de 1% de pessoas, os super ricos, e é defendido por quem está no poder político em nossos países. O governo do capitão-presidente é um serviçal deste sistema que mata e destrói. Como afirmou o Manifesto da IECLB de março de 2019: A Economia deve garantir a produção e distribuição justa dos meios de conservação e preservação da vida. […] (Mas) a cada ano aumenta o fosso que separa a parcela mais rica e a parcela mais pobre da população. Um grupo seleto de pessoas bilionárias concentra a maior parte da riqueza nacional e global. 2. Por isso é hora de ouvirmos as palavras muito atuais do Profeta Oséias: […] o Senhor tem uma contenda com os habitantes da terra; porque nela não há verdade, nem amor, nem conhecimento de Deus. O que prevalece é jurar falsamente, mentir, matar, furtar, e adulterar, e roubos e homicídios sobre homicídios. Por isso, a terra está de luto, e toda pessoa que mora nela desfalece, com os animais do campo e com as aves do céu; e até os peixes do mar perecem (Oséias 4:1-3). 3. Trata-se de uma crise ética e da própria civilização humana. No Brasil, a crise põe em risco a vida de milhões de irmãos e irmãs e o próprio sentido de nação. O Brasil está vendendo sua soberania de uma forma vil e criminosa. Que futuro vamos entregar às futuras gerações? Diante de crise tão grave, que podem fazer as comunidades cristãs diante dessas ameaças à Vida? Há muitas respostas. Algumas sensatas, outras ilusórias, outras ainda eivadas de preconceitos. O testemunho bíblico é referência para nós. O desafio que nos está posto é pôr em prática aquilo que a profecia proclama: que
pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus (Miquéias 6.8). Mas, ao identificar as causas da injustiça – que no Brasil atual a pandemia só fez vir à tona com mais evidência – Isaías é ainda mais ousado: Ai dos que ajuntam casa a casa, reúnem campo a campo, até que não haja mais lugar, e ficam como únicos moradores no meio da terra (Isaías 5.8). 4. Comunidade cristã não pode conformar-se com este sistema que exclui, invade, explora, destrói a natureza, mata pessoas ao ponto de colocar em risco a vida de todo o país. Comunidade cristã que alicerça sua vida na fé do evangelho de Jesus defende a vida em todos os sentidos: das pessoas, do ambiente, do ar, das águas, das florestas, dos animais, do coração escondido da terra, como proclamam os Yanomami na Amazônia. 5. Como Pastoral Popular Luterana e, com ela, comunidades, grupos organizados de jovens, mulheres com ênfase na luta e defesa de direitos, instituições diaconais como FLD – Fundação Luterana de Diaconia, Comin – Conselho de Missão com e entre Indígenas e Capa – Centro de Apoio e Promoção à Agroecologia, nós nos fazemos presentes em muitos lugares deste imenso e sofrido país, agora enfrentando sua maior crise sanitária, com a disseminação da pandemia do coronavírus que se agrava diariamente com o desgoverno das autoridades federais, e as pressões de empresas que exigem flexibilização da economia sem condições mínimas de segurança para o conjunto da população. 6. Diante da necessidade do isolamento social e dos inúmeros cuidados que se deve tomar para sair às ruas, o desafio é nos fazermos presentes solidariamente junto ao nosso povo, em especial, no cuidado com os setores mais vulneráveis da população. Temos exercitado celebrações alternativas via redes sociais, mas não é suficiente. É urgente dar outros passos, como fazem comunidades que se organizam para fornecer cestas básicas, material de higiene, máscaras e outras necessidades a famílias atingidas pelo desemprego, pelo abandono, pela fome, pelo descaso das autoridades. O auxílio emergencial do governo foi importante, mas só saiu sob pressão e ainda de forma desorganizada, pondo em risco milhares de pessoas nas filas intermináveis da Caixa Econômica Federal. 7. É hora de reinventarmos nossa forma de vida comunitária e recriarmos o sentido da comunhão cristã, do apoio mútuo, da diaconia transformadora, do amor que se manifesta em gestos e partilha de recursos de toda ordem. O evangelho de Jesus ensina o caminho da compaixão, da misericórdia, da partilha e do perdão (Mateus 9.13; Lucas 15). O que isto nos diz hoje em meio à crise? Temos de recuperar a
dimensão profética do anúncio do reinado de Deus feito por Jesus. Ele ensinou claramente: o reino é como uma semente que alguém joga no campo e dessa semente brota uma árvore, muitas árvores e muitos frutos que vão alimentar multidões. Ele afirmou também para quem quiser ouvir: Busquem o reino de Deus e sua justiça, e tudo o mais virá por acréscimo (Mateus 6.33). 8. É hora de praticarmos um dos carismas mais necessários e difíceis no momento: o carisma do discernimento, da ousadia e da ação solidária. A capacidade de discernimento é urgente diante do crescente clima fascista e de ódio que se espalha pela sociedade, infelizmente com o apoio de pessoas que se afirmam gente de fé, batizada, fiel. Mas a ação solidária – que agora mobiliza muitas pessoas em atitudes de emergência, num belo sinal de respeito pela vida e de amor fraterno – vai além disso. É preciso apostar na organização popular, como têm feito as cooperativas e associações da agricultura familiar, que nestes meses já distribuíram mais de 350 toneladas de alimentos saudáveis e gratuitos a milhares de pessoas nas cidades do país. 9. É, pois, urgente que as comunidades, os Sínodos e a Presidência da IECLB proclamem uma palavra forte, orientadora e ousada para encorajar essas ações de solidariedade nas bases da igreja e da sociedade, como fizeram mais de 150 bispos católicos na Carta ao Povo de Deus (25/07/2020). Já temos mais de 3 milhões de pessoas infectadas pelo Coronavírus e mais de 100 mil mortes. Estes são números conhecidos. Mas há muito mais gente que sofre e falece. Por isto, afirmamos que existe um clamor surdo que emerge das sepulturas – silenciosamente – e exige de nós atenção, comunhão e cuidado para com quem está vivo. É extraordinário o que as milhares de equipes de saúde vêm fazendo nos hospitais e centros de saúde por todo o país. Nossa solidariedade para com esses valorosos profissionais. Com elas lembramos as pessoas que trabalham nos serviços essenciais, mercados, farmácias, transportadores, agricultores, servidores públicos de todos os níveis, um enorme contingente de pessoas que, muitas vezes, presta serviço sem a devida proteção. Arriscam suas vidas para salvar vidas. 10. Nesse sentido, cabe um reconhecimento especial às mulheres profissionais de saúde e arrimo de família. São a maioria na linha de frente da saúde, do cuidado com pessoas infectadas em casa, dos idosos, das crianças sem escola, muitas sem emprego ou enfrentado transporte público colocando em risco a família e demais pessoas; outras tantas realizam trabalho remoto duplicando a jornada em casa, e ainda enfrentando a violência doméstica e o feminicídio. Os números oficiais são estarrecedores nesses casos.
11. O Evangelho de Jesus – que anunciamos por palavra e ação – proclama que Jesus é Vida, Luz, Pão, Água Viva, Caminho. Mas o que temos é o pão da morte a bater todo dia em nossas portas. Como anunciar a Vida de Deus num mundo que assiste a tanta morte e em que governos se escondem atrás de falsas justificativas para agir com racionalidade e compaixão por sua gente? É hora, portanto, de conversão, de mudança de pensamento e de sentido de vida, na igreja e na sociedade. E esta começa com um mea culpa que nos faça discernir o momento e a agir com mais coragem, senso de solidariedade para com quem mais sofre, com enlutados, com os mais pobres abandonados à própria sorte. Conversão na mensagem de Jesus e do Novo Testamento é ir além do pensamento, ou seja, mudar de mentalidade, de caráter, de forma de agir. É transformação na maneira de viver. É retomar o caminho noutra direção quando o que fazemos leva ao precipício e à morte. 12. É tempo de silenciar e de somar esforços com quem já arregaçou as mangas e está no campo dos desgraçados para aplacar a força que mata. E esta força não é apenas de um invisível vírus, mas vem de um conjunto de forças econômicas, sociais e políticas que desprezam a vida de nossa gente. Silêncio pela dor e em respeito aos mortos. Mas também o silêncio do medo, quando a própria vida pode estar em risco. Ainda assim, o momento exige também o grito (como no quadro de Edward Much), quando o vírus se materializa em sofrimento, morte, abandono e desprezo pela vida. 13. Como semear esperança diante de um quadro como este? Não é fácil responder, mas como discípulas e discípulos de Jesus, o Crucificado, não podemos esmorecer. Desde a nossa fraqueza e covardia, colocamos nossa confiança no Deus da Vida, no Espírito que renova a face da terra (Salmo 104), que das cinzas redime o nosso ser e nos enche de ânimo, coragem e firmeza para reacender a esperança onde ela se esvai, para erguer quem caiu, para levantar as mãos em atitude de clamor e de louvor. Não sabemos como orar, como Paulo escreveu (Romanos 8.26), mas o Espírito de Cristo intercede por nós e nos encoraja nos caminhos da justiça, da paz e do amor criativo. Que Deus tenha misericórdia de seu povo e de sua igreja!
Coordenação Nacional da PPL – Pastoral Popular Luterana – Agosto de 2020