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Cartas Pastorais

Nascido na Estrebaria

Na sua recente passagem por Teutônia, conversamos com o Pastor Silvio Meincke sobre o significado do Natal.

P.: Pastor, o Natal se aproxima. Qual seu significado?

R.: Sobretudo alegria, porque o nascimento do menino Jesus é notícia boa para todos nós, conforme proclama o anjo: “Trago uma boa notícia a vocês, e ela será motivo de grande alegria. (Lucas 2.10).

P.: Qual é o motivo dessa alegria?

R.: A criança revela que nosso Deus é Deus bondoso. Esse é o motivo da alegria. O menino no estábulo veio em total humildade para revelar que Deus quer o bem para todos nós, sem exceção e sem excluir os mais humildes. Por isso mesmo, seu enviado nasce como ser humano – a vontade de Deus se faz um ser humano e mora entre nós – e chega bem perto de nós, como uma criança indefesa, para ser acolhida, comunicar-se conosco e trazer-nos essa boa notícia.

P.: E as luzes?

R.: As luzes que iluminam nossas casas e as ruas das nossas cidades, nessa época do ano, são símbolos. Elas querem dizer que o menino da manjedoura pode e quer iluminar o nosso caminho; querem dizer que seus ensinamentos, assim como uma lâmpada, podem e querem clarear nossos passos e nossos caminhos.

P.: Por que a estrebaria?

R.: Estrebaria, cheiro de estrume, moscas, pulgas, escuridão. O menino Jesus deitado no cocho de animais; a manjedoura como primeiro berço. Com isso, Deus quer mostrar que vai muito longe para estar próximo das pessoas; que vai até onde estão seus filhos e filhas excluídas e marginalizadas, desprezadas e esquecidas pela forma como organizamos nossa convivência social. Nascendo na estrebaria, Deus solidariza-se com as pessoas que não encontram lugar para viver, que não encontram pouso, que são mandadas embora.

P.: Queres dizer que encontramos Deus na periferia.

R.: Encontramos Deus em todos os lugares, no centro e na periferia. Ele revela seu amor a todas as pessoas, sem deixar ninguém de fora. Jesus, por exemplo, vai à casa do exator Zaqueu (Lucas 19.2-10) e recebe o centurião de Cafarnaum (Lucas (7.1-10). Mas ele vai, em primeiro lugar, aos que necessitam de apoio com maior urgência; ele visita, antes de tudo, as pessoas que nossa organização social empurra para a periferia e manda embora, assim como os hoteleiros mandaram seus pais embora. Lá está ele, entre as pessoas que são excluídas, assim como ele foi excluído. Essa é a mensagem de Natal: Organizem a convivência social de vocês de tal forma que os excluídos sejam incluídos, que os rejeitados sejam acolhidos, que os esquecidos sejam lembrados, até que ninguém mais precisa nascer na estrebaria.

P.: Como devemos entender a glória de Deus que o anjo vê e exalta na criança?

R.: A glória de Deus, que o anjo proclama, manifesta-se exatamente na humildade solidária da criança; na sua fragilidade de menino; na forma meiga como conquista os corações no lugar de impor sua vontade pela força; sua glória manifesta-se na solidariedade que cruza o fosso social entre centro e periferia e vai até os estábulos. Essa é sua glória. Se a sua glória fosse banhada em ouro e poder, em palácios e armas, ele não iria cruzar o fosso social da nossa sociedade dividida; ele não iria solidarizar-se com a gente que vive do lado onde estão os barracos.

P.: Uma palavra final, pastor Silvio.

R.: Celebro também este Natal, feliz e contente, porque mais uma vez, Deus me diz que chega tão perto de seus filhos e filhas que não esquece ninguém; que chega manso como uma criança para que todos e todas possam aproximar-se sem medo: “A Palavra de Deus se fez um ser humano e morou entre nós” – João 1.14 a. Alegro-me com a definição surpreendente de sua glória: “Vimos sua glória, cheia de amor e de verdade; foi essa glória que ele recebeu como filho que revela a vontade do Pai” – João 1.14b. Vou celebrar o Natal com alegria porque Deus – cuja glória reside na humildade da estrebaria e na solidariedade de Deus que chega perto – continua a bater na porta da minha casa, assim como bate na porta das pessoas que excluímos, marginalizamos e desprezamos. Vou abrir a

porta e, se ele me convidar, vou acompanhá-lo, mais uma vez, para visitar os doentes nos corredores dos nossos hospitais onde faltam leitos; vou com ele, mais uma vez, até os quilombolas que lutam pelo reconhecimento das terras onde moraram seus antecedentes quando fugiram da escravidão; vou protestar com ele, mais uma vez, na companhia dos indígenas que sempre são mandados embora e que sobram, sem lugar para viver, quando suas terras são roubadas; vou tomar chimarrão com ele, mais uma vez, na roda dos sem terras que resistem e lutam para não cair nas periferias miseráveis de nossas cidades. Vou atravessar com ele o largo fosso social que divide, desde sempre, a nossa sociedade injusta. Vou com ele para o outro lado do fosso, onde estão as pessoas mal vistas que nascem e vivem em lugares sem conforto e cheios de carências, assim como ele nasceu carente, na estrebaria, entre moscas e cheiro de estrume.

Silvio Meincke

Dezembro de 2017.

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