No momento em que 40 dias nos separam do rompimento da barragem em Mariana/MG, a Pastoral Popular Luterana preocupada com as catastróficas consequências humanas e ambientais, com a direção que o processo judicial está tomando e em solidariedade a todas as vítimas desse crime humano e ambiental, sente-se na obrigação de lembrar, como testemunha do evangelho libertador e profético de Jesus Cristo, o sofrimento e o descaso com as inúmeras vítimas da tragédia. Após 40 dias as pessoas são tratadas apenas como vítimas de um infortúnio, os mortos tornaram-se apenas uma estatística numérica sem história de vida. Lamentavelmente o fato já está num processo de esquecimento, sendo substituído nos meios de comunicação por outros eventos sensacionalistas.
Como pessoas cristãs, não podemos tapar os olhos e ouvidos, com vistas a não ver e escutar o drama enfrentado pelas milhares de pessoas atingidas de forma direta e indireta pela catástrofe. Atentamo-nos ao clamor do meio ambiente que mais uma vez é vítima do lucro a qualquer custo, atendendo assim as regras do sistema capitalista. Jesus demostra em seu ministério uma opção clara para com todos os grupos marginalizados de seu tempo (Mateus 25. 31,46). Cristo se mostra intimamente ligado aos sedentos, famintos, estrangeiros, doentes e presos, ou seja, a todos os grupos vitimados e excluídos, de modo, que não podemos entrar em comunhão com Ele sem o comprometimento com a transformação de todas as situações e estruturas que comprometem a dignidade humana. Só podemos encontrá-lo entre as vítimas de nosso tempo e, talvez, em meio a quem com elas se solidariza e assume sua luta. Nesse sentido, nos solidarizamos e damos testemunho da presença de Cristo entre as várias vítimas não só do distrito de Bento Rodrigues que foi dizimado, mas também entre as populações que dependiam do Rio Doce e do seu ecossistema para sobreviver. Entre as milhares de pessoas atingidas se encontram muitas pessoas membros da IECLB, especialmente no estado do Espírito Santo.
O compromisso dado a nós de cuidar da criação, a qual foi confiada pelo próprio Deus, quando chamou este mundo à existência por meio da Palavra criadora (Gênesis 2.15), não pode fazer com que nos acomodemos diante deste lamentável crime ambiental e humano. A empresa Samarco, responsável direta pelo vazamento da barragem do Fundão, é de propriedade da poderosa Vale (50%) enquanto a outra gigantesca empresa britânico-australiana BHP Billiton é proprietária dos outros 50%.
Diante do ocorrido, entendemos que tanto a Samarco quanto as duas poderosas proprietárias devem ser responsabilizadas criminal e civilmente, sendo assim, exemplarmente punidas e responsabilizadas pela recuperação e indenização total das consequências do crime por elas cometido. As consequências desta tragédia já afetaram e continuarão afetando o ecossistema do Rio Doce por várias gerações, como também a região litorânea do Espírito Santo, onde a lama vermelha teve o seu destino final. Como pessoas e comunidades cristãs devemos nos manter atentos para que os responsáveis não se esquivem de suas responsabilidades e saiam impunes.
Igualmente, a solidariedade para com as vítimas não pode ficar apenas em ações de assistência pontuais (o que no primeiro momento sem dúvida foi importante devido à situação crítica), mas deve nos levar a atitudes proféticas que anunciem esperança às pessoas vitimadas e em relação à recuperação – tanto quanto possível – do ecossistema do Rio Doce. Que seja ao mesmo tempo corajosa em denunciar os culpados como também em cobrar o cumprimento das suas obrigações emergenciais e legais, o que vale também para os órgãos públicos implicados nas três instâncias (municipais, estaduais e federal).
Por fim, entendemos que os governos e agências de fiscalização devem ser corresponsabilizadas por todo e qualquer crime contra o meio ambiente que, na visão bíblica, é Criação de Deus. Tudo indica que os órgãos de fiscalização não fiscalizam adequadamente, o que gera distorções e compromete a aplicação da legislação pertinente, como nesse caso extremo. Parece evidente que houve falta de fiscalização ou – quem sabe – até mesmo cumplicidade na autorização para a implantação dos empreendimentos mineiros que visam única e exclusivamente interesses econômicos, sem as salvaguardas necessárias para o bem estar do povo e do meio ambiente.
Por isto reiteramos que o crime cometido por negligência e busca desenfreada do lucro não caia no esquecimento da sociedade brasileira. As vítimas continuam sua árdua caminhada pelo deserto correndo o risco de serem esquecidas e permanecerem sem os seus direitos respeitados e atendidos com justiça. Faz 40 dias que um rio de lama passou pela vida dessas pessoas.